Desde os primórdios dos tempos o assunto sexo e/ou sexualidade é
tratado como um tabu, com ares do profano, do proibido e em algumas
culturas a virgindade feminina foi e ainda é tratada como moeda de troca
para angariar vantagens para os pais ou responsáveis.
Também se
deve levar em consideração que as mulheres apropriadas para tal
“negociação” não poderiam ou podem ter nenhum tipo de
deformidade/deficiência ou doença crônica, pois são desvalorizadas e/ou
nem entram no “mercado livre” para casarem-se.
Diante desta
sociedade histórica não podemos esquecer que as pessoas com deficiência
eram mortas ao nascer ou abandonadas à própria sorte por ser um peso
morto para a sua família, ou em algumas culturas menos civilizadas as
mães também tinham o mesmo sortilégio dos seus rebentos com deficiência,
porque eram imputadas a elas esta condição de uma mulher impregnada de
maus espíritos que geravam filhos com defeitos.
Isto olhando
todo um contexto histórico da raça humana em seus momentos de transição
cultural ao qual passamos, vivemos no ocidente uma cultura aberta até
certo limite, desde que não fira a moralidade social e não afronte o que
é tolerável ao moldes sociais em que vivemos.
A mulher moderna
ocidental vive uma fase que é livre para trabalhar, ganhar seu sustento,
liberdade sexual e de escolher seu parceiro e companheiro, sem
retaliações ou críticas sociais, mas olhando um pouco mais profundamente
tem um outro recorte minúsculo ao qual a sociedade não tem feito
nenhuma conjecturação para trazer a tona uma discussão séria e aberta
para entendimentos e garantias de direitos.
O recorte do público
que fazemos referência é a pessoa com deficiência, se para a sociedade
existe certa dificuldade, uma crise em seu âmago no que diz respeito
sobre sexualidade, imagine então falar, pensar sobre isso para estas
pessoas que já vivem marginalizadas, excluídas por falta de acesso a
qualquer tipo de informação, lazer, trabalho, transporte e ao seu
principal direito, a sua cidadania e livre-arbítrio.
Com a
ratificação em 2008 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência da ONU e grupos dentro do governo discutindo e fomentando
tímidas literaturas sobre este tema da sexualidade, observamos que
estamos de volta no final da década de 70 quando pessoas com deficiência
reuniam-se para discutir sobre vários eixos que nortearam políticas
públicas e uma vasta legislação para o nosso movimento social, nos
garantindo direitos sociais, econômicos e políticos incontestáveis para
um trabalho inclusivo sério, com reflexos atuais.
Estamos no
início de algo grandioso e que finalmente teremos todos os eixos de
nossas vidas discutidos em uniformidade para uma qualidade de vida plena
e também temos que ter em mente que a sexualidade é um direito de
todos, independente de raça, cor, sexo, credo religioso, basta ser
pessoa.
Hoje é um tema que está elencado em um instrumento
jurídico internacional, com status de Direitos Humanos, ou seja, não
pode e não deve ser levada mais de forma inconseqüente, mesmo porque
temos várias pessoas com deficiência namorando, casando, tendo seus
filhos, constituindo família, não temos mais como fechar os olhos
perante tal situação e fingirmos que isto não acontece em nosso meio
social.
A sexualidade desta pessoa é um direito de caráter
humanista, mas necessita do apoio e entendimento da família para que
este obtenha um desempenho social saudável, e um desprendimento natural
para suas realizações psicosociais e emocionais.
Por incrível
que pareça, mas ainda vivemos uma super proteção da família em relação a
esta pessoa, por falta de conhecimento, discussão aberta sobre
sexualidade e sexo dentro dos lares e no convívio social, porque é mais
fácil esconder, reprimir do que entender, libertar, incentivar esta
vivência plena.
Sonegando, reprimindo o desconhecido por medo,
excesso de cuidados ou talvez inconscientemente uma atitude menos
agressiva ou torpe de trazer a “morte” da perpetuação desta espécie que
não estão nos moldes da perfeição que a sociedade exige.
A
cultura do belo e do perfeito estão cada vez mais impregnados na mídia,
na sociedade, pois se não estão enquadrados nestes quesitos devem ser
retirados para não trazerem constrangimentos com uma sociedade fora dos
padrões.
Existem pesquisas em vários países que a deficiência
tem uma ligação profunda com a pobreza, devido à desnutrição causada
pela fome ou por guerrilhas internas, sendo assim mais dificultoso o
trabalho de expansão destes direitos a estas pessoas.
O direito a
sexualidade e a sua reprodução são de todos, como também a pessoa com
deficiência, porque se esta tem sua capacidade legal e cognitiva
preservado ela também tem libido sexual, podendo assim namorar, casar,
ter seus filhos ou simplesmente viver sua sexualidade com quem escolher,
desde que tenha seu livre-arbítrio pleno e seguro.
Com o
exercício da sua sexualidade, a pessoa com deficiência, também deve ter
consciência de responsabilidades que automaticamente vem junto, pois
temos um jargão muito usado em nosso meio, cada direito adquirido, dois
deveres exercidos, um de respeitar o limite do direito do outro e dois
de exercer até o limite do nosso.
Cabe a família a inclusão e o
exercício dos direitos e deveres de seus filhos com deficiência,
trazendo toda a informação necessária para uma vida saudável e plena e
ao Estado a execução de Políticas Públicas para que este obtenha o
melhor desempenho social possível.
Enquanto temos de um lado a
super proteção de algumas famílias, por outro lado temos a omissão de
outras, que não se importam com esta pessoa, por ter sofrido a “morte”
deste filho ao nascimento, morte esta dos sonhos do “filho-perfeito”,
ocasionando assim problemas sociais sérios, tais como, abandono destes
dentro dos lares ou ainda em melhores situações em orfanatos,
maus-tratos, prostituição, abusos sexuais, enfim situações complexas
trazendo as mazelas humanas à tona.
Existem sim em nosso meio,
pessoas com deficiência, conscientes dos seus encantos que usam desses
mecanismos para a prostituição consentida pela família, como forma de
sustento para seus lares, parece que estamos falando de um mundo
surreal, mas que está em embaixo dos nossos olhos e insistimos em não
enxergar.
Outra situação que também temos notícias é o tráfico
destas pessoas para fora de nossas fronteiras para serem usadas como
prostitutas ou escravas sexuais para fetichistas ou sabe-se lá o que a
mente humana permite.
O sexo sempre foi e será usado de forma
ponderada ou não, não independe da pessoa ter deficiência ou não, porque
a sexualidade ou o sexo está dentro de nós, dentro do nosso cérebro, é
um estado de espírito, porque se fosse somente orgânico, não
precisaríamos de psicólogos ou psiquiatras para trabalhar nossas
angústias, traumas, seria um mecanismo automático, teríamos ou não
prazer.
Para obtermos o melhor de nós em nossa sexualidade
existe um conjunto de situações, um corpo e mente saudável, um ambiente
legal ou não, depende dos fetiches e vontades de cada um, confiança
mútua, vontade de explorar um ao outro, acreditar em si mesmo, e estar
bem consigo próprio em primeiro lugar… a descoberta, a vontade, a
respiração, o respeito pelo outro, a pele, a química, o toque, o olhar, o
cheiro, o ambiente, o universo, o momento, e dane-se o mundo…
A
pessoa com deficiência, antes de acreditar que alguém possa se
apaixonar por ela, precisa do carinho da mãe no útero, a inclusão e
aceitação no lar, amar a si primeiro, ter auto-estima, conhecer os seus
limites para saber escolher com quem irá se relacionar… haverá vezes que
o relacionamento não dará certo, como em qualquer situação em que
esteja envolvido os sentimentos, mas é vivendo que crescemos, que
amadurecemos, que aprendemos amar e ser amados, em que seremos
plenamente humanos.
O sexo e a sexualidade da pessoa com
deficiência deve ser orientada de forma igual, sem medo de estarmos
incentivando algo profano, embora deve ser encarado como algo salutar,
melhor orientar em todos os sentidos do que pecarmos pela omissão e
depois conviver com situações penosas de doenças e angústias emocionais
destas pessoas.
Temos que ter consciência que estas pessoas
estão mais propensas a adquirir AIDS, DSTs (doenças sexualmente
transmissíveis), não é porque tem uma deficiência que está envolta em
uma aura de santidade, é assexuada, ou não tem vários (as) parceiros
(as), engana-se quem pensa desta forma, porque atualmente estas pessoas
estão namorando mais, saindo mais para passear e trabalhar, interagindo
mais com o mundo, principalmente com a advinda da internet dentro dos
nossos lares, com mudanças de comportamentos bem interessantes e
merecedores de estudos.
Neste século temos em nossas rodas de
discussão um tema muito polêmico e que até o presente momento quase não
tínhamos informações sobre tal assunto, os devotees.
As pessoas vão perguntar, afinal o que são mesmo esses devotees?
Homens
e mulheres que, independente de sua opção sexual, idade, credo, raça,
origem, nível intelectual, nível social econômico ou condição física,
sente-se atraídos por pessoas com deficiências. Tendo essa atração, em
muitos casos, um forte cunho sexual. Revista REAÇÃO julho/agosto 2010,
página 71.
Este tema está insurgindo novamente nas rodas, mas
atualmente com mais seriedade, sem a conotação de que a pessoa com
deficiência é vítima dos devotees ou que eles sodomizam essas pobres
criaturas para ter proveito em suas “taras”.
Com o
amadurecimento das pessoas hoje temos uma mente mais aberta para toda
esta polêmica, levando sempre em consideração que nós, pessoas com
deficiência, temos o direito a nossa sexualidade, direito a nossa
reprodução, em constituir nossa família ou não, em relacionarmos com
quem bem entendermos, porque antes da deficiência, somos pessoas, então
partimos da premissa que temos direito humanos.
Ficando aí algumas idéias para que possamos fazer reflexões sérias neste contexto e tema, sobre a diversidade humana.
*
Márcia Gori é bacharel em Direito-UNORP, sócia da Assessoria de
Direitos Humanos São Thomas de Aquino, ex-presidente do Conselho
Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência – CEAPcD/SP, atualmente
é Conselheira Estadual do CEAPcD/SP, Presidente do Conselho Municipal
da Pessoa com Deficiência de São José do Rio Preto/SP, funcionária
pública da Secretaria Municipal da Assistência Social e membro do CAD –
Clube Amigos dos Deficientes de São José do Rio Preto/SP. Apresentadora
do programa “Diversidade Atual” no canal 30 – RPTV, miss tattoo 2010 e
colaboradora do Núcleo de Inclusão Social da UNORP, palestrante sobre
Sexualidade, Deficiência e Inclusão Social da Pessoa com Deficiência,
além de fazer parte do casting de modelo fotográfico da agência Kica de Castro Fotografias.
Fonte: Artigo da Marcia Gori para a Agenda 2011 em Fortaleza/Ceará
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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