Freud
entendia a neurose como o resultado de um conflito entre o Ego e o Id, ou seja,
entre aquilo que o indivíduo é (ou foi) de fato, com aquilo que ele desejaria
prazerosamente ser (ou ter sido), ao passo que a psicose seria o desfecho análogo
de um distúrbio entre o Ego e o Mundo.
Patch
considera a psicose uma doença mental caracterizada pela distorção do senso de
realidade, uma inadequação e falta de harmonia entre o pensamento e a
afetividade.
A Psicose
Delirante Crônica, que é sinônimo do atual Transtornos Delirante
Persistente (CID.10), já foi chamada de Paranóia, muito
apropriadamente. De acordo com Kraepelin, a Paranóia é uma entidade
clínica caracterizada, essencialmente, pelo desenvolvimento insidioso de um
sistema delirante duradouro e inabalável mas, apesar desses Delírios há uma
curisosa manutenção da clareza e da ordem do pensamento, da vontade e da ação.
Ao
contrário dos esquizofrênicos e doentes cerebrais, onde as idéias
delirantes são um tanto desconexas, nesta Psicose Delirante Crônica
as idéias se unem num determinado contexto lógico para formar um sistema
delirante total, rigidamente estruturado e organizado.
A
característica essencial desse Transtorno Delirante Persistente é
a presença de um ou mais delírios não-bizarros que persistem por pelo menos 1
mês. Para o diagnóstico é muito importante que o delírio do Transtorno
Delirante Persistente não seja bizarro nem seja desorganizado, ou seja,
ele deve ter seu tema e script organizado e compreensível ao ouvinte, embora
continue se tratando de uma falsa e absurda crença.
As
alucinações não são proeminentes e nem habituais, embora possam existir
concomitantemente. Quando existem, a alucinações táteis ou olfativas costumam
ser mais freqüentes que as visuais e auditivas.
Normalmente
o funcionamento social desses pacientes Paranóicos não está prejudicado,
apesar da existência do Delírio. A maioria dos pacientes pode parecer
normais em seus papéis interpessoais e ocupacionais, entretanto, em alguns o
prejuízo ocupacional pode ser substancial e incluir isolamento social. A
impressão que se tem é a de uma ilha de delírio num mar de sanidade, portanto,
uma espécie de delírio insular.
Um
paciente, por exemplo, convencido de que será assassinado por perseguidores
implacáveis pode desenvolver isolamento social e abandonar o emprego. Em geral,
além do funcionamentos social comprometido, também o relacionamento conjugal
pode sofrer prejuízos. Na Esquizofrenia o comprometimento social mais
acentuado costuma ser a regra.
Esses
Delírios normalmente são interpretativos, egocêntricos, sistematizados e
coerentes. Pode ser de prejuízo, de perseguição ou de grandeza, impregnado ou
não de tonalidade erótica ou com idéias de invenção ou de reforma. Também é
freqüente o delírio de ciúme, mais encontradiço nas mulheres. Estas estão
sempre se deparando com provas "contundentes" acerca dos muitos
relacionamentos sexuais de seus maridos.
Tipos
de psicoses Delirantes Persistentes
1
- Tipo Erotomático
Neste
caso o delírio habitualmente se refere ao amor romântico idealizado e a união
espiritual, mais do que a atração sexual. Acreditam, freqüentemente, ser amados
por pessoa do sexo oposto que ocupa uma posição de superioridade (ídolos,
artistas, autoridades, etc.) mas, pode também ser uma pessoa normal e estranha.
2
- Tipo Grandeza
Neste
subtipo de Transtorno Delirante Persistente a pessoa é convencida, pelo seu
delírio, possuir algum grau de parentesco ou ligação com personalidades
importantes ou, quando não, possuir algum grande e irreconhecível talento
especial, alguma descoberta importante ou algum dom magistral. Outras vezes
acha-se possuidor de grande fortuna.
3
- Tipo Ciúme
Neste
tipo de Paranóia a pessoa está convencida, sem motivo justo ou evidente, da
infidelidade de sua esposa ou amante. Pequenos pedaços de
"evidência", como roupas desarranjadas ou manchas nos lençóis podem
ser coletados e utilizados para justificar o delírio. O paciente pode tomar
medidas extremas para evitar que o companheiro(a) proporcione a infidelidade
imaginada, como por exemplo, exigindo uma permanência no lar de forma tirana ou
obrigando que nunca saia de casa desacompanhado(a).
4
- Tipo Persecutório
É o tipo
mais comum entre os paranóicos ou delirantes crônicos. O delírio costuma
envolver a crença de estar sendo vítima de conspiração, traição, espionagem,
perseguição, envenenamento ou intoxicação com drogas ou estar sendo alvo de
comentários maliciosos.
5
- Tipo Somático (Parafrenia)
A Formação Delirante do Tipo
Somático, como justifica o nome, caracteriza-se pela ocorrência de variadas
formas de delírios somático e, neste caso, com maiores possibilidades de
alucinações que outros tipos de Paranóia. Os mais comuns dizem respeito à
convicção de que a pessoa emite odores fétidos de sua pele, boca, reto ou
vagina, de que a pessoa está infestada por insetos na pele ou dentro dela,
esdrúxulos parasitas internos, deformações de certas partes do corpo ou órgãos
que não funcionam.
Psicose
Reativa Breve (Transtorno Psicótico Transitório)
A Psicose
Reativa Breve se caracteriza pelo aparecimento abrupto dos sintomas
psicóticos sem a existência de sintomas pré-mórbidos e, habitualmente,
seguindo-se à um estressor psicossocial. Os sinais e sintomas clínicos são
similares àqueles vistos em outros distúrbios psicóticos, como na Esquizofrenia
e nos Transtornos Afetivos com Sintomas Psicóticos. O prognóstico
é bom e a persistência de sintomas residuais não ocorre. Durante o surto
observa-se incoerência e acentuado afrouxamento das associações, delírios,
alucinações e comportamento catatônico ou desorganizado. Há componentes
afetivos com mudanças bruscas de um afeto para outro, perplexidade e confusão.
A
Organização Mundial de Saúde, através da Classificação Internacional de Doenças
(CID), recomenda que esta categoria de psicose deve ser restringida ao pequeno
grupo de afecções psicóticas, em grande parte ou totalmente atribuídas a uma
experiência existencial recente. Deve ser entendida como uma alteração
psicótica na qual os fatores ambientais tem a maior influência etiológica.
Comumente tem uma duração pequena não ultrapassando o período de 1 mês.
Trata-se
de reações cuja natureza não é só determinada pela situação psicotraumática,
mas também pelas predisposições da personalidade. A maioria das reações
psíquicas mórbidas desenvolve-se em função de uma perturbação de caráter que
predispõe a elas. Tal perturbação será fruto de um desenvolvimento
psicorreativo anormal.
O
desenvolvimento da Psicose Reativa pode satisfazer a necessidade
do paciente em representar, simbolicamente, a si e aos outros através da
natureza interna de suas contradições, angústias e paixões, numa espécie de
falência aguda de sua capacidade de adaptação a uma situação sofrível.
Deve
haver na Psicose Reativa Breve, de uma maneira ou outra, um certo
lucro subjetivo na medida em que o paciente vive à margem da realidade
traumática e insuportável; transfere seu próprio fracasso para um delírio
persecutório, recolhe-se da realidade numa postura autística, nega a existência
num estado amnésico e assim por diante. Pode ser de grande alívio a
transferência da tonalidade afetiva de um objeto para outro, ou de um complexo
de idéias para um outro complexo secundário psiquicamente anárquico, onde as
coisas se encaixam numa lógica doentia e fantástica.
Causas
Por
definição, de acordo com Kaplan, um estressor vivencial significativo constitui
um fator etiológico para este distúrbio, entretanto, melhor seria pensar nestes
fatores estressantes mais como desencadeantes do surto psicótico agudo.
Portanto, a patologia terá bases tanto biológicas quanto psicológicas. Devem
ser enfatizados os mecanismos de relacionamento inadequados e a possibilidade
de ganho emocional primário ou secundário com a eclosão do surto agudo. Há
hipóteses que a psicose representaria um mecanismo de defesa a um estressor
específico.
Sintomas
A
característica essencial deste distúrbio é o início súbito dos sintomas
psicóticos que persistem por um tempo inferior a um mês, com eventual retorno
ao nível pré-mórbido de funcionamento. Os sinais e sintomas clínicos são
similares àqueles vistos em outros estados psicóticos, tais como na Esquizofrenia
e nos Transtornos Afetivos com Sintomas Psicóticos.
O
comportamento pode ser bizarro, com posturas peculiares, trejeitos esquisitos,
gritos ou mutismo completo. Freqüentemente há significativa desorientação,
confusão e distúrbios de memória. Alucinações transitórias, delírios e
confabulações podem estar presentes. O quadro é mais freqüente na adolescência
e idade adulta jovem.
São
freqüentes, também, as modificações rápidas de um afeto intenso para outro, a
perplexidade e regressão com atitudes pueris. O comportamento catatônico ou
desorganizado é comum e isso pode confundir com os casos de simulação, Síndrome
de Ganser ou mesmo histeria.
Curso
e Prognóstico
Não
existem sintomas prodrômicos anteriores ao estressor desencadeante, embora
possam existir traços de personalidade sugestivos de algum distúrbio prévio. O
aparecimento da sintomatologia segue o estressor em poucas horas, não duram
mais de um mês e a depressão posterior é freqüente.
ASPECTOS DE BOM PROGNÓSTICO
|
Boa
adaptação emocional pré-mórbida (antes do surto)
Poucos
traços Esquizóides de personalidade pré-mórbidos
Grave
estressor emocional precipitante
Aparecimento
agudo e repentino dos sintomas
Sintomas
afetivos presentes (depressão, normalmente)
Confusão
e perplexidade durante a crise
Pouco
empobrecimento afetivo
Curta
duração dos sintomas
Ausência
de parentes esquizofrênicos
|
É muito
difícil a diferenciação entre a Psicose Reativa Breve e a Depressão
Maior com Sintomas Psicóticos. Para tal distinção é fundamental a
verificação minuciosa da personalidade pré-mórbida e suas associações com
traços depressivos ou esquizóides.
A abordagem
antidepressiva medicamentosa consegue resolver grande número de casos, o que
nos faz suspeitar do evidente envolvimento afetivo em tais transtornos, ainda
que não tenha havido nenhuma manifestação prévia de depressão com nítidas
características psicóticas. Teoricamente isso é bem possível, já que a eclosão
da Psicose posterior à agressão emocional pode significar uma falência
adaptativa às circunstâncias vivenciais, atitude perfeitamente compatível com a
dinâmica da depressão. Porém o uso antipsicóticos também é indicado já que
reduzem o tempo do quadro levando o indivíduo para o funcionamento pré-morbido.
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FONTE: Ballone
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http://www.psiqweb.med.br/, atualizado em 2008.
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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