A
adolescência é um período de profundas mudanças internas e externas do
organismo global, física e mentalmente. É também a idade predileta para a
eclosão da maioria dos transtornos emocionais. Entre os transtornos emocionais
da adolescência o mais temido é a psicose, tanto por sua
gravidade e impacto que produz no entorno do paciente, quanto pelo prognóstico
e necessidade de tratamento imediato.
Assim
sendo, na adolescência, mais que em qualquer outro período da vida, o médico
deve se esforçar, sobremaneira, para estabelecer diagnósticos e prognósticos,
com especial zelo para a Esquizofrenia, pois, como sabemos, esta
é a idade preferida para o início desse transtorno. Ainda assim, não devemos
deixar de suspeitar dos Transtornos do Humor, os quais também aparecem nesta
idade e com características bastante enganosas.
A
Classificação Francesa dos Transtornos Mentais da Criança e do Adolescente
(CFTMEA), considera separadamente o Transtorno Psicótico da Criança e do
Adolescente, ao contrário das classificações internacionais de doenças (CID.10
e DSM IV) que não têm uma categoria específica para esses transtornos.
A
classificação francesa considera que, devido ao fato dos sintomas psicóticos
que aparecem na infância e na adolescência comportarem características
específicas e diferentes dos mesmos quadros em adultos, justificaria uma
consideração e uma classificação em separado.
Uma das
principais preocupações dos psiquiatras de crianças e adolescentes é, sem
dúvida, a psicose. O máximo cuidado para o diagnóstico se
reforça, primeiro, evidentemente, na importância do tratamento precoce para
alívio do paciente e de seus familiares e, em segundo, devido ao risco de
evolução incapacitante da doença, cujo momento de maior perigo para seqüelas
invalidantes se situa nos dois primeiros anos da psicose.
Além de
tudo, considerando a grande especificidade atual dos medicamentos
psiquiátricos, há uma imperiosa necessidade de bons conhecimentos sobre o
quadro do Transtorno do Humor Grave com Sintomas Psicóticos e suas
diferenças com a Psicose Esquizofrênica, já que
existem significativas diferenças de prognóstico e de tratamento entre essas
duas patologias.
Finalmente,
todo esse cuidado é mais do que justo, se considerarmos os efeitos
potencialmente iatrogênicos de um diagnóstico errado sobre algum transtorno
psiquiátrico crônico, diagnóstico esse capaz de modificar profundamente a
relação do paciente consigo mesmo e com os demais, além das atitudes negativas
por parte de seu entorno familiar e social.
Sintomas
Prodrômicos
Sintoma
prodrômico ou pródromo significa, em medicina, o sintoma que antecede uma
doença, tal como o mal estar que antecede a gripe, ou a dor nos testículos que
precede a cólica renal, etc. Até agora a maioria dos estudos sobre os pródromos
da Psicose Esquizofrênica tem se referido mais aos
sintomas que precedem as recaídas psicóticas de uma Esquizofrenia
anteriormente diagnosticada do que aos pródromos de um primeiro surto
psicótico.
Antes do
primeiro surto psicótico, ou seja, na fase prodrômica, as pessoas não costumam
apresentar sintomas psicóticos evidentes mas, podem apresentar um determinado
número de mudanças do comportamento, da afetividade e do pensamento. A esse
evento prodromico da Esquizofrenia Alonso Fernandez nomina como
Broto. Não se tratam de sintomas psicóticos, como dissemos, mas de algo bem
mais atenuado, embora sugestivo.
A maioria
dos sintomas e sinais observáveis no adolescente de risco corresponde aos
traços daquilo que se considera Personalidade Esquizóide ou Paranóide (veja
em Transtornos da Personalidade os traços desses quadros). Entretanto, por se
tratar naturalmente de um período rico em oscilações e instabilidades, a
adolescência confunde o observador, fazendo parecer uma simples manifestação de
uma adolescência mais exuberante, sinais que poderiam ser tidos como sintomas
francamente prodrômico ou, no mínimo, sinais francos de vulnerabilidade à psicose.
De modo
geral, as primeiras mudanças da pessoa podem ser imperceptíveis, assim como
pode ser imperceptível também a transição gradual entre sintomas inespecíficos
e não-psicóticos, em sintomas francamente psicóticos.
Na
maioria dos pacientes, identificar o início de uma Esquizofrenia
é uma questão bastante delicada, na medida em que as alterações podem
representar apenas uma extensão quantitativa dos traços preexistentes da
personalidade do adolescente. Em tese, para facilitar a clínica, os elementos
que representam apenas alguma variação de traços preexistentes da personalidade
costumam ser egosintônicos, isto é, não destoam da aspiração natural e da
satisfação da pessoa consigo mesma. Essa característica é importante, uma vez
que, por ser egosintônica, não se constitui em algo mórbido.
Na
prática, em alguns casos pode ser difícil a diferença entre as fases prodrômica
e psicótica da doença. Mas o conceito de pródromo, entretanto, implica numa
mudança qualitativa notável em relação ao estado habitual do paciente.
Geralmente os primeiros sintomas prodrômicos descritos com freqüência são
sintomas de natureza neurótica, inespecíficos, tais como a ansiedade, idéias
hipocondríacas, síndromes depressivas, mudanças afetivas, anedonia, apatia,
irritabilidade, retraimento social, falta de iniciativa e transtornos do sono.
Esses sintomas, ao contrário do que ocorre com traços prévios de personalidade,
costumam ser egodistônicos, ou seja, produzem sofrimento, logo, são mórbidos.
Mais para frente poderá surgir mudanças na cognição, na percepção, na vontade e
nas funções motoras (Jeammet, 2000; Wyatt, 1998).
Tendência
Psicótica
Atualmente,
duas hipóteses pretendem dar sustentação às observações quanto a origem da
doença esquizofrênica: a hipótese do desenvolvimento neurológico (Weinberger,
1987) e o modelo da vulnerabilidade (Zubin, 1977).
Modelo
da Vulnerabilidade à Psicose e Personalidade
A
psicopatologia contemporânea reconhece a idéia clássica de predisposição e
vulnerabilidade para a grande maioria das doenças, portanto, nada poderia
justificar a exclusão desse raciocínio para as doenças mentais. De acordo com o
conceito de vulnerabilidade, a Esquizofrenia não apareceria
subitamente na vida da pessoa, mas seria precedida e facilitada por
determinados fatores psicológicos e biológicos necessários ao seu
desenvolvimento.
Segundo o
modelo da vulnerabilidade, algumas pessoas apresentariam disfunções
determinadas geneticamente capazes de as tornarem propensas a desenvolver
sintomas esquizofrênicos em certas condições de tensão ambiental (Nuechtertein,
1994). Esses elementos são chamados em medicina de "marcadores".
Os
marcadores neurobiológicos de vulnerabilidade correspondem às características e
traços que refletem anomalias constitucionais implicadas no desenvolvimento da
doença, e tais anomalias poderiam ser perscrutadas através das características
descritas como Transtornos de Personalidade. Alguns desses marcadores para Esquizofrenia
também podem ser identificados nos familiares geneticamente próximos dos
esquizofrênicos (Cornblatt, 1998; DeHert, 1998; Dumas, 1999).
Fora da
fase ativa da doença, a presença desses marcadores (marcadores de risco) seria
como um sinal de alerta para um risco biológico de a pessoa vir a apresentar a
doença posteriormente. Tais marcadores poderiam ajudar a definir o perfil
pessoal vinculado à Esquizofrenia.
O
patrimônio genético seria um fator indispensável e sobre o qual os fatores
ambientais desempenhariam ou não um papel essencial para o desenvolvimento da Psicose
Esquizofrênica. Segundo esta hipótese, só as pessoas vulneráveis
apresentariam uma Psicose Esquizofrênica, caso
fossem expostas a fatores de estresse, enquanto as demais pessoas permaneceriam
assintomáticas ou, no máximo, mostrariam apenas manifestações subclínicas
quando expostas aos mesmos agentes estressores.
Entre os
marcadores preditivos da Esquizofrenia, o Transtorno
Esquizóide e Paranóide da Personalidade sugeririam diretamente uma
vulnerabilidade para a Esquizofrenia. Em conseqüência, a Psicose
Esquizofrênica se produziria como resultado da
"descompensação" de um Transtorno Esquizóide ou Paranóide da
Personalidade, diante de fatores ambientais adversos e facilitadores.
Os
estudos sobre pessoas com elevado risco genético, como são aquelas com
familiares esquizofrênicos, ou com elevado risco clínico, como são aquelas
portadoras de Transtornos Esquizotípicos da Personalidade, têm
demonstrado que estas pessoas têm um risco de evolução esquizofrênica bastante
superior ao risco da população geral.
Modelo
de Desenvolvimento Neuropsicológico da Psicose
Como se
tem aceitado em medicina, as anomalias neuro-cognitivas encontradas nos
pacientes com Esquizofrenia refletem uma vulnerabilidade
biológica do sistema nervoso através de uma base genética. A hipótese do
desenvolvimento neuropsicológico da Esquizofrenia (Weinberger,
idem) considera que essas anomalias sejam conseqüência de uma instabilidade
cerebral que surge durante a vida intrauterina, ou em alguns momentos
peri-natais. As agressões neurológicas responsáveis por esta instabilidade
cerebral seriam de natureza virótica ou nutricional, ou ainda, provenientes de
complicações obstétricas que acontecem às pessoas que têm um terreno genético
predisposto (Lewis, 1987).
As
manifestações clínicas dessa instabilidade cerebral variam segundo o grau de
maturidade cerebral e segundo os fatores ambientais. Assim, durante a infância,
tais "lesões" se manifestariam mediante sinais pré-clínicos e
inespecíficos (Parnas, 1999). Na adolescência, por uma alteração do processo
sináptico cortical habitual e, diante das dificuldades ambientais, os sintomas
psicóticos específicos se manifestariam.
A
hipótese atual supõe que, no caso da Esquizofrenia, o
desenvolvimento do processo sináptico vai além dos limites de desenvolvimento
neurológico. Algumas pessoas predispostas, por ocasião da adolescência,
perderiam conexões neuronais que normalmente deveriam ser conservadas ou, ao
contrário, manteriam ou aumentariam conexões que deveriam desaparecer
(Kevashan, 1998).
Os estudos psicopatológicos atuais têm em conta o seguinte:
|
1. Há
um caráter multifatorial na origem dos Transtornos Psicóticos da adolescência
e os elementos psíquicos não excluem fatores biológicos;
2. Há
articulação entre fatores de vulnerabilidade constitucional à doença e
fatores relacionados ao desenvolvimento neurológico na origem dos Transtornos
Psicóticos;
3. Há
influência do processo da adolescência e da puberdade no desencadeamento do
transtorno. Assim, os Transtornos Psicóticos se produziriam como conseqüência
da soma das tensões ambientais com uma predisposição individual de fundo
(Zubin, idem).
|
A
diferença entre essas duas hipóteses (que, na realidade se completam) é que na
idéia da vulnerabilidade os elementos constitucionais genéticos têm um peso
maior que o ambiental ou de desenvolvimento e, na hipótese do desenvolvimento
neuropsicológico, os elementos ambientais de desenvolvimento têm peso igual ou
mais forte que a genética.
Outro
problema conceitual subjacente é saber se os sintomas psicóticos seriam
fenômenos diferentes, qualitativamente, das experiências mentais normais da adolescência,
ou se seriam uma continuidade exagerada, portanto, quantitativa, dessas
experiências. Outra possibilidade é que os sintomas psicóticos seriam
quantitativamente diferentes da normalidade da adolescência no principio do
quadro mas, posteriormente, se revelariam em uma mudança qualitativa (Yung,
1996).
Ora, as
alterações quantitativas seriam aquelas de melhor prognóstico, como se
tratassem de mecanismos neuróticos (e não psicóticos de fato) mais facilmente
tratáveis, enquanto as alterações qualitativas seriam mais graves e difíceis,
portanto, psicóticas propriamente ditas.
Ao lado
dos fatores biológicos e de origem genética, bem como dos fatores adquiridos
durante fases precoces do desenvolvimento, como por exemplo as intercorrências
intra-uterinas e as dificuldades peri-natais, existiriam fatores psicológicos e
ambientais próprios da adolescência. Essa concepção justificaria a grande
dificuldade de diagnóstico dos Transtornos Psicóticos, quando
surge a imperiosa necessidade de situarmos o ponto de ruptura entre o normal e
o patológico, ou seja, o ponto onde se passa de uma mudança quantitativa a uma
alteração qualitativa.
Sintomas
Psicóticos na Adolescência
Podemos
dizer, concreta e logicamente, que serão considerados sintomas psicóticos no adolescente,
todos aqueles que possam sugerir uma patologia esquizofrênica do ponto de vista
descritivo (clínico), de acordo com as classificações internacionais (CID.10 e
DSM.IV).
Entretanto,
como alertamos logo acima, essa atitude só será válida se considerarmos a idéia
de que a presença de qualquer desses sintomas não significa, obrigatoriamente e
invariavelmente, um diagnóstico de Esquizofrenia. Aliás, na
população geral, sintomas psicóticos nem sempre significam sintomas
esquizofrênicos e, na adolescência, sintomas psicóticos nem sempre significam psicose.
É sempre
bom lembrar, como diz o próprio DSM IV, que "nenhum sintoma isolado é
patognomônico (exclusivo) da Esquizofrenia, cujo diagnóstico
implica no reconhecimento de uma constelação de sinais e sintomas vinculados a
disfunções sociais e ocupacionais". Portanto, e em tese, atualmente se
considera que os sintomas psicóticos no adolescente são idênticos aos do
adulto, reconhecendo-se, entre o quadro clínico formal, os seguintes (DSM IV):
Idéias delirantes
empobrecimento afetivo
Alucinações
perda da lógica
Desorganização
do discurso perda da vontade
Desorganização
do comportamento disfunção social
Mesmo
esses sintomas devem ser considerados com prudência na infância e adolescência.
Nessas faixas etárias a Disfunção Social, juntamente com a Perda da Vontade,
por serem sintomas que dizem respeito ao nível de realização interpessoal,
escolar, ocupacional ou em outras atividades, devem ser considerados com
cautela. Ora, a realização pessoal na criança e adolescente tem uma conotação
muito diferente que no adulto. O desenvolvimento normal e característico de
alguns grupos de adolescentes, emocionalmente mais sensíveis, pode sugerir um Transtorno
Psicótico ou simular sintomas psicóticos negativos.
Em sentido
contrário, muitas vezes os verdadeiros sintomas psicóticos podem passar
despercebidamente. Confundem-se tais sintomas com alterações normais do
relacionamento social na adolescência.
A
ocorrência de verdadeiros sintomas psicóticos na adolescência aumenta
notavelmente os riscos dos transtornos da conduta e do comportamento, porém,
estes podem ser inocentemente atribuídos à conduta rebelde e inconseqüente
própria dessa idade. Por causa disso é temerário o risco suicida de
adolescentes, o qual pode estar aumentado na presença de um processo psicótico
e não é raro que a tentativa de suicídio seja uma ocorrência inicial e
reveladora de sintomas psicóticos passados desapercebidos.
Episódio
Delirante Agudo
Uma das
observações mais importantes é o fado do chamado Episódio Delirante Agudo
na adolescência não significar, obrigatoriamente, uma Esquizofrenia.
A questão que se levanta é exatamente esta: o Episódio Delirante Agudo nessa
faixa etária constitui aquilo que poderia ser classificado como Psicose
na Adolescência?
Na
prática, diante da suspeita de um Episódio Delirante Agudo e sem
antecedentes psiquiátricos as dificuldades de diagnóstico podem ser resumidas
da seguinte forma:
Questionamentos pertinentes frente a um episódio Psicótico no
Adolescente
|
1-
Seria uma manifestação inicial de Esquizofrenia?
2-
Seria manifestação inicial de um Transtorno do Humor grave com sintomas
psicóticos?
3-
Seria manifestação inicial de uma Esquizofrenia Esquizoafetiva?
4-
Seria um episódio psicótico agudo secundário ao uso de substância tóxica ou
de causa orgânica?
5-
Finalmente, diante de um quadro mais atípico, poderia tratar-se de uma crise
afetiva própria da adolescência?
|
O enfoque
do diagnóstico será muito diferente, segundo que se encontre um estado
delirante agudo e bastante típico, ou uma sintomatologia mais surda, crônica e
prolongada de "esquisitices". No primeiro caso, do Episódio
Delirante Agudo e típico, não há dificuldades de diagnóstico e a
síndrome se apresenta como uma crise delirante aguda, cuja descrição
corresponde aos Transtornos Psicóticos Breves e/ou aos Transtornos
Esquizofreniformes do DSM IV. Na CID.10 corresponderia ao Transtorno
Psicótico Agudo e Transitório e na classificação francesa, CFTMEA, às Psicose
Agudas.
Na
classificação francesa clássica, o Episódio Delirante Agudo foi
descrito pela primeira vez há cem anos e continua sendo um diagnóstico muito
utilizado. O Episódio Delirante Agudo agrupa todas as patologias
com sintomatologia psicótica clássica de duração inferior a seis meses,
portanto, inclui transtornos variados. Seus limites são difusos, o que limita
um maior interesse acadêmico.
Henri Ey
foi quem melhor descreveu o Episódio Delirante Agudo. Para esse
autor a diferença com a Esquizofrenia faz-se romântica e
poeticamente, e consta em determinar se é uma "loucura de um
instante" ou de uma "loucura de uma existência". Continua
dizendo que as formas delirantes e alucinatórias que aparecem no início da Esquizofrenia
são aproximadamente do mesmo tipo que aquelas do Episódio Delirante Agudo,
portanto, não são muito úteis para a diferenciação. A maior contribuição de
Henri Ey foi, talvez, o nome que deu a esse transtorno: Psicose Reativa
Breve, sugerindo com isso uma causa psicogênica.
O DSM IV,
por sua vez, descreve duas formas do Transtorno Psicótico Breve:
aguda e subaguda. O Transtorno Psicótico Breve agudo tem duração
inferior a um mês e, invariavelmente, há um retorno completo da normalidade
psíquica depois do episódio psicótico. O Transtorno Psicótico Breve e
Agudo da DSM.IV é o que mais se identifica com a classificação inicial
de Ey, já que ambos supõem o aparecimento do quadro depois de um estresse
marcante.
Tendo em
vista a gritante diferença de prognóstico entre o Transtorno Psicótico
Agudo, que é bom, e o Transtorno Esquizofrênico,
incluindo o Transtorno Esquizofreniforme, que são ruins, o diagnóstico desses
quadros no adolescente deve ser muitíssimo criterioso.
Carlsom
et al (1994) observaram que em 45% dos casos, os Transtornos Esquizofreniformes
aparecem antes dos 20 anos. Dos casos que se apresentaram antes dos 20 anos de
idade e inicialmente considerados Esquizofreniformes, 58% evoluíram para a Esquizofrenia
e 18,3% para Transtornos Afetivos Bipolares, no grupo de pacientes
adolescentes.
A
característica essencial do Transtorno Psicótico Breve é uma
perturbação que envolve o início súbito de pelo menos um, dos seguintes
sintomas psicóticos positivos: delírios, alucinações, discurso desorganizado
(por ex., incoerência), ou comportamento amplamente desorganizado, podendo
chegar até a catatonia.
Pelo
DSM.IV esse episódio dura, no mínimo 1 dia e no máximo 1 mês, e o paciente
acaba tendo um pleno retorno ao nível anterior de funcionamento psíquico. Mas
alerta da necessidade de diferenciá-lo de um Transtorno do Humor Grave com
Aspectos Psicóticos ou de um transtorno devido aos efeitos de alguma
substância, como por exemplo, um alucinógeno.
As
pessoas com Transtorno Psicótico Breve freqüentemente
experimentam tumulto emocional ou oscilações rápidas de algum afeto intenso.
Embora seja breve, o nível de prejuízo pode ser severo na fase aguda, podendo
exigir supervisão para garantir que as necessidades sociais, higiênicas e
nutricionais sejam atendidas e que o indivíduo seja protegido das conseqüências
do prejuízo de sua crítica.
Esquizofrenia
na Adolescência
Pela
gravidade, a Esquizofrenia é o tema central dos Transtornos
Psicóticos da adolescência. Este diagnóstico, feito com demasiada
rapidez e simplicidade em muitas ocasiões, é um diagnóstico sindrômico e deve
satisfazer, imperiosamente, a um conjunto de critérios para poder sustentar-se.
A Esquizofrenia
aparece muito raramente durante a infância e o inicio da adolescência. Depois
do início da adolescência sua incidência aumenta: 13,5% das Esquizofrenias
aparecem antes dos 20 anos e 47,3% aparecem entre os 21 e 30 anos. McClelam et
al (1993) calcularam que a prevalência da Esquizofrenia de início
precoce, ou seja, antes dos 18 anos, era de 12 a 20%.
Enquanto
as raras formas que aparecem na infância tendem a ter início insidioso e são
invariavelmente mais graves, as Esquizofrenias da adolescência
seriam muito mais agudas. No que se refere à relação entre sexos, os estudos
mostram proporção igual entre homens e mulheres, entretanto, alguns apontam
pouca e discreta maior freqüência entre os homens.
Entre
antecedentes pessoais, se encontram com freqüência nos pacientes
esquizofrênicos outros transtornos prévios da personalidade, de intensidade
moderada ou grave. Em estudo de crianças e adolescentes com transtornos
psicóticos (McClelam, idem) foram encontrados 60% de antecedentes de
transtornos da personalidade.
Aliás, as
características de personalidade pré-mórbida (antes da crise) são elementos
importantíssimos para diferenciar a Esquizofrenia, cuja
personalidade pré-mórbida é comumente esquizóide ou paranóide, do Episódio
Delirante Agudo, que normalmente não tem essa característica. Um dos
critérios de diagnósticos para Esquizofrenia, segundo o DSM IV, é
a duração do surto psicótico.
De fato,
esse continua sendo um dos mais importantes diferenciais entre essa doença e o Episódio
Delirante Agudo; para ser classificado como Esquizofrenia
os transtornos psicóticos persistem durante um período mínimo de seis meses.
Este critério de duração é tão importante para a Esquizofrenia do
adulto quanto da adolescência e, em revisão dos critérios diagnósticos para Esquizofrenia
na adolescência, Jeammet (2000) concluiu que o critério de duração mínima de
seis meses continua sendo um dos mais seguros.
Podem
surgir ainda, na fase prodrômica, experiências de percepção incomuns, como por
exemplo, sentir a presença de uma pessoa ou força invisível, ainda que não
existam alucinações francas. O comportamento nessa fase, embora não seja
amplamente desorganizado, pode ser peculiar, como por exemplo, resmungar para
si mesmo, colecionar objetos estranhos e visivelmente sem valor. Mas tudo isso
só tende a confundir ainda mais o diagnóstico médico, já que, na adolescência
normal, tudo isso pode ser perfeitamente comum.
Os
sintomas característicos de Esquizofrenia franca envolvem
disfunções cognitivas com prejuízo da crítica, alterações da sensopercepção,
distúrbios do pensamento, da linguagem, da comunicação, do comportamento, da
volição, dos impulsos, da atenção e do afeto. Todo esse conjunto sintomático
acaba por resultar em sério prejuízo no funcionamento ocupacional ou social.
Em termos
de comportamento e interação social, a maior parte dos esquizofrênicos mantém
contatos sociais relativamente limitados. Na Esquizofrenia, os
adolescentes que eram socialmente ativos podem tornar-se retraídos, perdem o interesse
em atividades com as quais anteriormente sentiam prazer, tornam-se menos
falantes e curiosos, e podem passar a maior parte de seu tempo na cama. Para a
família esses sintomas de apatia e desinteresse, chamados de sintomas
negativos, costumam ser o primeiro sinal de que algo está errado.
Na
criança e no adolescente os sintomas psicóticos mais freqüentes da Esquizofrenia
são as alucinações auditivas, o delírio e os transtornos do curso do
pensamento, tais como incoerência, prolixidade e fuga de idéias. Apesar desses
sintomas, deve ser destaca a presença de alterações afetivas em graus
variáveis, concomitantemente presentes em até 52 % dos casos (Hallon, idem).
Transtorno
do Humor Grave com Sintomas Psicóticos
A maioria
dos autores da atualidade reconhece a freqüência elevada dos Transtornos do
Humor Grave com Sintomas Psicóticos com início na adolescência. Em 1921
Kraepelim já reconhecia que 3% dos casos de episódios maníacos ocorriam antes
dos 15 anos e, 20% deles antes dos 20 anos.
Esta
observação, questionada durante algum tempo, se reafirmou na atualidade por
alguns estudos publicados, os quais comprovam que os Transtornos do Humor
aparecem no 20 a 30% dos casos em pacientes menores de 20 anos (Ballenger,
1982). Nesses trabalhos, a idade media de início dos quadros de humor na
adolescência (Transtorno do Humor Grave com Sintomas Psicóticos) fica em
torno dos 13,9 e 15,3 anos.
A CID-10
e o DSM IV coincidem na comprovação de que os sintomas psicóticos podem,
aparecer no transcurso de um episódio depressivo maior ou de um episódio
maníaco com maior freqüência na adolescência que na idade adulta.
Os
sintomas psicóticos mais freqüentes nos Transtornos do Humor com
manifestações psicóticas são as idéias delirantes, seguidas pelas alucinações
auditivas e, por último, por transtornos do pensamento, tais como, perda de
associações, incoerência, pobreza do conteúdo, neologismos, perseveração,
bloqueios e ecolalia (Abrams, 1981; Ballenger, 1982; Cortos, 1998).
Por causa
desses fenômenos psicóticos, jamais podemos considerar, como se fazia
antigamente, que as alucinações auditivas sejam patognomônicas da Esquizofrenia.
Na adolescência elas são mais comuns em Transtornos Bipolares graves.
Isso
explica a freqüência dos erros de diagnósticos de Esquizofrenia
em pacientes que sofrem Transtornos Bipolares. E tais erros são tão
comuns que, de acordo com o estudo de Werry (idem), a metade dos pacientes
bipolares com idade entre 13 e 17 anos foram considerados erroneamente
esquizofrênicos depois de reavaliação realizada durante 5 anos de seguimento.
Em
adultos esses enganos de diagnóstico são menos freqüentes, embora também
ocorram entre essas duas patologias. Pelo estudo de Joice (1982), 72% dos
pacientes maníacos cujo transtorno havia começado antes dos 20 anos tiveram um
primeiro diagnóstico de Esquizofrenia, contra 24% dos pacientes
maníacos cujos transtornos haviam começado depois dos 30 anos.
Transtorno
Esquizoafetivo
O
conceito francês de Psicose Distímica ou Esquizofrenia
Distímica, segundo a terminologia da CFTMEA, ou de Transtorno Esquizoafetivo,
segundo a terminologia do DSM.IV e CID.10, levanta o difícil e não resolvido
problema da fronteira entre a Esquizofrenia e os Transtornos
do Humor (Eggers, 1989).
A CID-10
e o DSM IV não fazem nenhuma menção à especificidade desses transtornos na
adolescência. No que se refere aos antecedentes pessoais, com maior freqüência
se encontram transtornos da personalidade; quanto aos antecedentes familiares,
se observam mais antecedentes de Transtornos Afetivos, mas menos
antecedentes de Transtornos Esquizofrênicos que nos outros tipos de Esquizofrenias.
Se o
diagnóstico de Esquizofrenia, em geral, tem sido muito difícil de
ser feito em adolescentes, o diagnóstico de Transtorno Esquizoafetivo é
mais difícil ainda. Isso porque os sintomas se confundem fortemente, no
adolescente, com sintomas dos Transtornos Afetivos ou do Humor.
Em um
grupo de crianças e adolescentes diagnosticados como esquizofrênicos, Thomsen
(1996), comprovou, dez anos depois do diagnóstico inicial, que 21% dos
pacientes não tinha Esquizofrenia, mas sim, um Transtorno de
Personalidade e, entre esses, 12,4% era do tipo Borderline. Concluiu que
aproximadamente metade dos adolescentes diagnosticados erradamente como
esquizofrênicos, na realidade poderiam ser portadores de Transtornos da
Personalidade e, mais especificamente, de um Transtorno Anti-social ou
Borderline da Personalidade.
Alucinações
Isoladas do Adolescente
Alguns
autores afirmam que as alucinações, embora sejam tipicamente associadas aos
transtornos mentais, também podem ocorrer em pessoas sem antecedentes
psiquiátricos. Na realidade acreditamos que a frase é verdadeira em sua
intenção mas, em nossa opinião, deveria ser dita da seguinte forma: "as
alucinações, embora sejam tipicamente associadas aos transtornos mentais
psicóticos, também podem ocorrer em pessoas sem psicoses".
O
fenômeno alucinatório é demasiadamente grave para excluir algum transtorno
emocional. Ocorre que nem sempre ela é patognomônica da psicose
(esquizofrênica ou outra), podendo existir em alguns outros transtornos
emocionais, tais como Depressão Grave, por exemplo. Pode ainda,
tratar-se de uma maneira exuberante de reação ao estresse, uma espécie de
vulnerabilidade alucinatória às exigências emocionais.
Entre os
fatores favorecedores das alucinações emancipadas dos transtornos psicóticos
encontra-se, além da extrema sensibilidade ao estresse, também elementos
culturais, tais como, espirituais e religiosos.
Por
razões culturais, sabemos que determinados grupos sociais compartilham
alucinações, sejam auditivas, visuais ou qualquer outra, sem que tenham todos
alguma psicose esquizofreniforme.
Este
falso aspecto de loucura é chamado, em francês, de "Folie a Deux"
(loucura a dois) ou, conforme as novas denominações, de Psicose
Compartilhada. Tal atitude alucinatória, digamos, cultural, funciona como uma
espécie de desprezo contra a realidade, à medida que proporcionem apoio à
fantasia coletivamente aspirada.
Nos
adolescentes as alucinações, consideradas convencionalmente como sintomas
psicóticos, também podem aparecer fora de qualquer diagnóstico de psicose.
Alguns autores (Altman, 1997) observaram que alucinações e idéias delirantes
podem se apresentar, especialmente, em pacientes portadores de Personalidade
Borderline ou Esquizotípica, bem como nos estados de Estresse
Pós-Traumático e Transtornos Dissociativos.
Freqüência de Transtornos Delirantes-Alucinatórios
|
|
Na Esquizofrenia
No Transtorno do Humor Grave
No Transtorno de Personlaidade
(McClelam e Werry) |
71%
67%
20%
|
Quanto
aos adolescentes com transtornos de personalidade, McClelam e Werry (idem)
encontraram sintomas alucinatórios freqüentes em portadores de personalidade
Borderline, Anti-social, Esquizóide e Esquizotípica. De outra forma, nas
reações alucinatórias ao estresse intenso, os sentidos podem perceber estímulos
que não existem, com a intencionalidade (inconsciente) de "ver" o que
se pretende ser visto.
Alucinações
emancipadas das psicoses esquizofreniformes devem, a rigor, ser
divididas em Alucinoses e Pseudo-Alucinações. As classificações internacionais
e os principais psicopatologistas atribuam à Alucinose uma origem exclusivamente
orgânica, notadamente conseqüente ao uso de substâncias ou álcool ou à causas
eminentemente neurológicas.
Segundo o
prof. Eunofre Marques, em certos tipos de alucinose a consciência está
preservada e a pessoa mantém o juízo e a crítica normais, assim, essas
alucinações são reconhecidas como anormais pelo próprio indivíduo, o qual tem
certeza de que não correspondem à realidade. Elas ocorrem, mais provavelmente,
em doenças neurológicas, geralmente lesionais ou tumorais.
Em outro
tipo de alucinose, não existe crítica do paciente a elas e ele as vive como se
fizessem parte real de seu mundo. Esse tipo também tem natureza orgânica e pode
ocorrer em quadros de alcoolismo, uso de substâncias, de corticóides, em
problemas metabólicos (uremia, p. ex.), em estados de edema cerebral ou nos
estados moderados de demência. De qualquer forma, até por questão convencional,
não existem alucinoses sem base orgânica, fazendo delas um indicativo
diagnóstico.
Nos
Adolescentes, onde, excetuando-se a questão do uso de drogas, na maioria das
vezes estão afastadas as causas orgânicas, os casos de alucinações isoladas
dão-se por razões eminentemente psicogênicas. Com freqüência o próprio
adolescente tem noção e crítica da irrealidade do que está percebendo, tornando
esses fenômenos mais um tipo de pseudo-alucinações do que alucinações
propriamente ditas.
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FONTE: Ballone,
GJ Moura EC - Psicose na Adolescência - in. PsiqWeb, Internet,
disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2008.
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS
E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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