sexta-feira, 2 de novembro de 2012

PSICOSE NA ADOLESCÊNCIA



 
A adolescência é um período de profundas mudanças internas e externas do organismo global, física e mentalmente. É também a idade predileta para a eclosão da maioria dos transtornos emocionais. Entre os transtornos emocionais da adolescência o mais temido é a psicose, tanto por sua gravidade e impacto que produz no entorno do paciente, quanto pelo prognóstico e necessidade de tratamento imediato.

Assim sendo, na adolescência, mais que em qualquer outro período da vida, o médico deve se esforçar, sobremaneira, para estabelecer diagnósticos e prognósticos, com especial zelo para a Esquizofrenia, pois, como sabemos, esta é a idade preferida para o início desse transtorno. Ainda assim, não devemos deixar de suspeitar dos Transtornos do Humor, os quais também aparecem nesta idade e com características bastante enganosas.

A Classificação Francesa dos Transtornos Mentais da Criança e do Adolescente (CFTMEA), considera separadamente o Transtorno Psicótico da Criança e do Adolescente, ao contrário das classificações internacionais de doenças (CID.10 e DSM IV) que não têm uma categoria específica para esses transtornos.

A classificação francesa considera que, devido ao fato dos sintomas psicóticos que aparecem na infância e na adolescência comportarem características específicas e diferentes dos mesmos quadros em adultos, justificaria uma consideração e uma classificação em separado.

Uma das principais preocupações dos psiquiatras de crianças e adolescentes é, sem dúvida, a psicose. O máximo cuidado para o diagnóstico se reforça, primeiro, evidentemente, na importância do tratamento precoce para alívio do paciente e de seus familiares e, em segundo, devido ao risco de evolução incapacitante da doença, cujo momento de maior perigo para seqüelas invalidantes se situa nos dois primeiros anos da psicose.

Além de tudo, considerando a grande especificidade atual dos medicamentos psiquiátricos, há uma imperiosa necessidade de bons conhecimentos sobre o quadro do Transtorno do Humor Grave com Sintomas Psicóticos e suas diferenças com a Psicose Esquizofrênica, já que existem significativas diferenças de prognóstico e de tratamento entre essas duas patologias.

Finalmente, todo esse cuidado é mais do que justo, se considerarmos os efeitos potencialmente iatrogênicos de um diagnóstico errado sobre algum transtorno psiquiátrico crônico, diagnóstico esse capaz de modificar profundamente a relação do paciente consigo mesmo e com os demais, além das atitudes negativas por parte de seu entorno familiar e social.

Sintomas Prodrômicos
Sintoma prodrômico ou pródromo significa, em medicina, o sintoma que antecede uma doença, tal como o mal estar que antecede a gripe, ou a dor nos testículos que precede a cólica renal, etc. Até agora a maioria dos estudos sobre os pródromos da Psicose Esquizofrênica tem se referido mais aos sintomas que precedem as recaídas psicóticas de uma Esquizofrenia anteriormente diagnosticada do que aos pródromos de um primeiro surto psicótico.

Antes do primeiro surto psicótico, ou seja, na fase prodrômica, as pessoas não costumam apresentar sintomas psicóticos evidentes mas, podem apresentar um determinado número de mudanças do comportamento, da afetividade e do pensamento. A esse evento prodromico da Esquizofrenia Alonso Fernandez nomina como Broto. Não se tratam de sintomas psicóticos, como dissemos, mas de algo bem mais atenuado, embora sugestivo.

A maioria dos sintomas e sinais observáveis no adolescente de risco corresponde aos traços daquilo que se considera Personalidade Esquizóide ou Paranóide (veja em Transtornos da Personalidade os traços desses quadros). Entretanto, por se tratar naturalmente de um período rico em oscilações e instabilidades, a adolescência confunde o observador, fazendo parecer uma simples manifestação de uma adolescência mais exuberante, sinais que poderiam ser tidos como sintomas francamente prodrômico ou, no mínimo, sinais francos de vulnerabilidade à psicose.

De modo geral, as primeiras mudanças da pessoa podem ser imperceptíveis, assim como pode ser imperceptível também a transição gradual entre sintomas inespecíficos e não-psicóticos, em sintomas francamente psicóticos.

Na maioria dos pacientes, identificar o início de uma Esquizofrenia é uma questão bastante delicada, na medida em que as alterações podem representar apenas uma extensão quantitativa dos traços preexistentes da personalidade do adolescente. Em tese, para facilitar a clínica, os elementos que representam apenas alguma variação de traços preexistentes da personalidade costumam ser egosintônicos, isto é, não destoam da aspiração natural e da satisfação da pessoa consigo mesma. Essa característica é importante, uma vez que, por ser egosintônica, não se constitui em algo mórbido.

Na prática, em alguns casos pode ser difícil a diferença entre as fases prodrômica e psicótica da doença. Mas o conceito de pródromo, entretanto, implica numa mudança qualitativa notável em relação ao estado habitual do paciente. Geralmente os primeiros sintomas prodrômicos descritos com freqüência são sintomas de natureza neurótica, inespecíficos, tais como a ansiedade, idéias hipocondríacas, síndromes depressivas, mudanças afetivas, anedonia, apatia, irritabilidade, retraimento social, falta de iniciativa e transtornos do sono. Esses sintomas, ao contrário do que ocorre com traços prévios de personalidade, costumam ser egodistônicos, ou seja, produzem sofrimento, logo, são mórbidos. Mais para frente poderá surgir mudanças na cognição, na percepção, na vontade e nas funções motoras (Jeammet, 2000; Wyatt, 1998).

Tendência Psicótica
Atualmente, duas hipóteses pretendem dar sustentação às observações quanto a origem da doença esquizofrênica: a hipótese do desenvolvimento neurológico (Weinberger, 1987) e o modelo da vulnerabilidade (Zubin, 1977).

Modelo da Vulnerabilidade à Psicose e Personalidade
A psicopatologia contemporânea reconhece a idéia clássica de predisposição e vulnerabilidade para a grande maioria das doenças, portanto, nada poderia justificar a exclusão desse raciocínio para as doenças mentais. De acordo com o conceito de vulnerabilidade, a Esquizofrenia não apareceria subitamente na vida da pessoa, mas seria precedida e facilitada por determinados fatores psicológicos e biológicos necessários ao seu desenvolvimento.

Segundo o modelo da vulnerabilidade, algumas pessoas apresentariam disfunções determinadas geneticamente capazes de as tornarem propensas a desenvolver sintomas esquizofrênicos em certas condições de tensão ambiental (Nuechtertein, 1994). Esses elementos são chamados em medicina de "marcadores".

Os marcadores neurobiológicos de vulnerabilidade correspondem às características e traços que refletem anomalias constitucionais implicadas no desenvolvimento da doença, e tais anomalias poderiam ser perscrutadas através das características descritas como Transtornos de Personalidade. Alguns desses marcadores para Esquizofrenia também podem ser identificados nos familiares geneticamente próximos dos esquizofrênicos (Cornblatt, 1998; DeHert, 1998; Dumas, 1999).

Fora da fase ativa da doença, a presença desses marcadores (marcadores de risco) seria como um sinal de alerta para um risco biológico de a pessoa vir a apresentar a doença posteriormente. Tais marcadores poderiam ajudar a definir o perfil pessoal vinculado à Esquizofrenia.

O patrimônio genético seria um fator indispensável e sobre o qual os fatores ambientais desempenhariam ou não um papel essencial para o desenvolvimento da Psicose Esquizofrênica. Segundo esta hipótese, só as pessoas vulneráveis apresentariam uma Psicose Esquizofrênica, caso fossem expostas a fatores de estresse, enquanto as demais pessoas permaneceriam assintomáticas ou, no máximo, mostrariam apenas manifestações subclínicas quando expostas aos mesmos agentes estressores.

Entre os marcadores preditivos da Esquizofrenia, o Transtorno Esquizóide e Paranóide da Personalidade sugeririam diretamente uma vulnerabilidade para a Esquizofrenia. Em conseqüência, a Psicose Esquizofrênica se produziria como resultado da "descompensação" de um Transtorno Esquizóide ou Paranóide da Personalidade, diante de fatores ambientais adversos e facilitadores.

Os estudos sobre pessoas com elevado risco genético, como são aquelas com familiares esquizofrênicos, ou com elevado risco clínico, como são aquelas portadoras de Transtornos Esquizotípicos da Personalidade, têm demonstrado que estas pessoas têm um risco de evolução esquizofrênica bastante superior ao risco da população geral.

Modelo de Desenvolvimento Neuropsicológico da Psicose
Como se tem aceitado em medicina, as anomalias neuro-cognitivas encontradas nos pacientes com Esquizofrenia refletem uma vulnerabilidade biológica do sistema nervoso através de uma base genética. A hipótese do desenvolvimento neuropsicológico da Esquizofrenia (Weinberger, idem) considera que essas anomalias sejam conseqüência de uma instabilidade cerebral que surge durante a vida intrauterina, ou em alguns momentos peri-natais. As agressões neurológicas responsáveis por esta instabilidade cerebral seriam de natureza virótica ou nutricional, ou ainda, provenientes de complicações obstétricas que acontecem às pessoas que têm um terreno genético predisposto (Lewis, 1987).

As manifestações clínicas dessa instabilidade cerebral variam segundo o grau de maturidade cerebral e segundo os fatores ambientais. Assim, durante a infância, tais "lesões" se manifestariam mediante sinais pré-clínicos e inespecíficos (Parnas, 1999). Na adolescência, por uma alteração do processo sináptico cortical habitual e, diante das dificuldades ambientais, os sintomas psicóticos específicos se manifestariam.

A hipótese atual supõe que, no caso da Esquizofrenia, o desenvolvimento do processo sináptico vai além dos limites de desenvolvimento neurológico. Algumas pessoas predispostas, por ocasião da adolescência, perderiam conexões neuronais que normalmente deveriam ser conservadas ou, ao contrário, manteriam ou aumentariam conexões que deveriam desaparecer (Kevashan, 1998).


Os estudos psicopatológicos atuais têm em conta o seguinte:
1. Há um caráter multifatorial na origem dos Transtornos Psicóticos da adolescência e os elementos psíquicos não excluem fatores biológicos;
2. Há articulação entre fatores de vulnerabilidade constitucional à doença e fatores relacionados ao desenvolvimento neurológico na origem dos Transtornos Psicóticos;
3. Há influência do processo da adolescência e da puberdade no desencadeamento do transtorno. Assim, os Transtornos Psicóticos se produziriam como conseqüência da soma das tensões ambientais com uma predisposição individual de fundo (Zubin, idem).


A diferença entre essas duas hipóteses (que, na realidade se completam) é que na idéia da vulnerabilidade os elementos constitucionais genéticos têm um peso maior que o ambiental ou de desenvolvimento e, na hipótese do desenvolvimento neuropsicológico, os elementos ambientais de desenvolvimento têm peso igual ou mais forte que a genética.

Outro problema conceitual subjacente é saber se os sintomas psicóticos seriam fenômenos diferentes, qualitativamente, das experiências mentais normais da adolescência, ou se seriam uma continuidade exagerada, portanto, quantitativa, dessas experiências. Outra possibilidade é que os sintomas psicóticos seriam quantitativamente diferentes da normalidade da adolescência no principio do quadro mas, posteriormente, se revelariam em uma mudança qualitativa (Yung, 1996).

Ora, as alterações quantitativas seriam aquelas de melhor prognóstico, como se tratassem de mecanismos neuróticos (e não psicóticos de fato) mais facilmente tratáveis, enquanto as alterações qualitativas seriam mais graves e difíceis, portanto, psicóticas propriamente ditas.

Ao lado dos fatores biológicos e de origem genética, bem como dos fatores adquiridos durante fases precoces do desenvolvimento, como por exemplo as intercorrências intra-uterinas e as dificuldades peri-natais, existiriam fatores psicológicos e ambientais próprios da adolescência. Essa concepção justificaria a grande dificuldade de diagnóstico dos Transtornos Psicóticos, quando surge a imperiosa necessidade de situarmos o ponto de ruptura entre o normal e o patológico, ou seja, o ponto onde se passa de uma mudança quantitativa a uma alteração qualitativa.

Sintomas Psicóticos na Adolescência
Podemos dizer, concreta e logicamente, que serão considerados sintomas psicóticos no adolescente, todos aqueles que possam sugerir uma patologia esquizofrênica do ponto de vista descritivo (clínico), de acordo com as classificações internacionais (CID.10 e DSM.IV).

Entretanto, como alertamos logo acima, essa atitude só será válida se considerarmos a idéia de que a presença de qualquer desses sintomas não significa, obrigatoriamente e invariavelmente, um diagnóstico de Esquizofrenia. Aliás, na população geral, sintomas psicóticos nem sempre significam sintomas esquizofrênicos e, na adolescência, sintomas psicóticos nem sempre significam psicose.

É sempre bom lembrar, como diz o próprio DSM IV, que "nenhum sintoma isolado é patognomônico (exclusivo) da Esquizofrenia, cujo diagnóstico implica no reconhecimento de uma constelação de sinais e sintomas vinculados a disfunções sociais e ocupacionais". Portanto, e em tese, atualmente se considera que os sintomas psicóticos no adolescente são idênticos aos do adulto, reconhecendo-se, entre o quadro clínico formal, os seguintes (DSM IV):

Idéias delirantes empobrecimento afetivo
Alucinações perda da lógica
Desorganização do discurso perda da vontade
Desorganização do comportamento disfunção social

Mesmo esses sintomas devem ser considerados com prudência na infância e adolescência. Nessas faixas etárias a Disfunção Social, juntamente com a Perda da Vontade, por serem sintomas que dizem respeito ao nível de realização interpessoal, escolar, ocupacional ou em outras atividades, devem ser considerados com cautela. Ora, a realização pessoal na criança e adolescente tem uma conotação muito diferente que no adulto. O desenvolvimento normal e característico de alguns grupos de adolescentes, emocionalmente mais sensíveis, pode sugerir um Transtorno Psicótico ou simular sintomas psicóticos negativos.

Em sentido contrário, muitas vezes os verdadeiros sintomas psicóticos podem passar despercebidamente. Confundem-se tais sintomas com alterações normais do relacionamento social na adolescência.

A ocorrência de verdadeiros sintomas psicóticos na adolescência aumenta notavelmente os riscos dos transtornos da conduta e do comportamento, porém, estes podem ser inocentemente atribuídos à conduta rebelde e inconseqüente própria dessa idade. Por causa disso é temerário o risco suicida de adolescentes, o qual pode estar aumentado na presença de um processo psicótico e não é raro que a tentativa de suicídio seja uma ocorrência inicial e reveladora de sintomas psicóticos passados desapercebidos.

Episódio Delirante Agudo
Uma das observações mais importantes é o fado do chamado Episódio Delirante Agudo na adolescência não significar, obrigatoriamente, uma Esquizofrenia. A questão que se levanta é exatamente esta: o Episódio Delirante Agudo nessa faixa etária constitui aquilo que poderia ser classificado como Psicose na Adolescência?

Na prática, diante da suspeita de um Episódio Delirante Agudo e sem antecedentes psiquiátricos as dificuldades de diagnóstico podem ser resumidas da seguinte forma:


Questionamentos pertinentes frente a um episódio Psicótico no Adolescente
1- Seria uma manifestação inicial de Esquizofrenia?
2- Seria manifestação inicial de um Transtorno do Humor grave com sintomas psicóticos?
3- Seria manifestação inicial de uma Esquizofrenia Esquizoafetiva?
4- Seria um episódio psicótico agudo secundário ao uso de substância tóxica ou de causa orgânica?
5- Finalmente, diante de um quadro mais atípico, poderia tratar-se de uma crise afetiva própria da adolescência?


O enfoque do diagnóstico será muito diferente, segundo que se encontre um estado delirante agudo e bastante típico, ou uma sintomatologia mais surda, crônica e prolongada de "esquisitices". No primeiro caso, do Episódio Delirante Agudo e típico, não há dificuldades de diagnóstico e a síndrome se apresenta como uma crise delirante aguda, cuja descrição corresponde aos Transtornos Psicóticos Breves e/ou aos Transtornos Esquizofreniformes do DSM IV. Na CID.10 corresponderia ao Transtorno Psicótico Agudo e Transitório e na classificação francesa, CFTMEA, às Psicose Agudas.

Na classificação francesa clássica, o Episódio Delirante Agudo foi descrito pela primeira vez há cem anos e continua sendo um diagnóstico muito utilizado. O Episódio Delirante Agudo agrupa todas as patologias com sintomatologia psicótica clássica de duração inferior a seis meses, portanto, inclui transtornos variados. Seus limites são difusos, o que limita um maior interesse acadêmico.

Henri Ey foi quem melhor descreveu o Episódio Delirante Agudo. Para esse autor a diferença com a Esquizofrenia faz-se romântica e poeticamente, e consta em determinar se é uma "loucura de um instante" ou de uma "loucura de uma existência". Continua dizendo que as formas delirantes e alucinatórias que aparecem no início da Esquizofrenia são aproximadamente do mesmo tipo que aquelas do Episódio Delirante Agudo, portanto, não são muito úteis para a diferenciação. A maior contribuição de Henri Ey foi, talvez, o nome que deu a esse transtorno: Psicose Reativa Breve, sugerindo com isso uma causa psicogênica.

O DSM IV, por sua vez, descreve duas formas do Transtorno Psicótico Breve: aguda e subaguda. O Transtorno Psicótico Breve agudo tem duração inferior a um mês e, invariavelmente, há um retorno completo da normalidade psíquica depois do episódio psicótico. O Transtorno Psicótico Breve e Agudo da DSM.IV é o que mais se identifica com a classificação inicial de Ey, já que ambos supõem o aparecimento do quadro depois de um estresse marcante.

Tendo em vista a gritante diferença de prognóstico entre o Transtorno Psicótico Agudo, que é bom, e o Transtorno Esquizofrênico, incluindo o Transtorno Esquizofreniforme, que são ruins, o diagnóstico desses quadros no adolescente deve ser muitíssimo criterioso.

Carlsom et al (1994) observaram que em 45% dos casos, os Transtornos Esquizofreniformes aparecem antes dos 20 anos. Dos casos que se apresentaram antes dos 20 anos de idade e inicialmente considerados Esquizofreniformes, 58% evoluíram para a Esquizofrenia e 18,3% para Transtornos Afetivos Bipolares, no grupo de pacientes adolescentes.

A característica essencial do Transtorno Psicótico Breve é uma perturbação que envolve o início súbito de pelo menos um, dos seguintes sintomas psicóticos positivos: delírios, alucinações, discurso desorganizado (por ex., incoerência), ou comportamento amplamente desorganizado, podendo chegar até a catatonia.

Pelo DSM.IV esse episódio dura, no mínimo 1 dia e no máximo 1 mês, e o paciente acaba tendo um pleno retorno ao nível anterior de funcionamento psíquico. Mas alerta da necessidade de diferenciá-lo de um Transtorno do Humor Grave com Aspectos Psicóticos ou de um transtorno devido aos efeitos de alguma substância, como por exemplo, um alucinógeno.

As pessoas com Transtorno Psicótico Breve freqüentemente experimentam tumulto emocional ou oscilações rápidas de algum afeto intenso. Embora seja breve, o nível de prejuízo pode ser severo na fase aguda, podendo exigir supervisão para garantir que as necessidades sociais, higiênicas e nutricionais sejam atendidas e que o indivíduo seja protegido das conseqüências do prejuízo de sua crítica.

Esquizofrenia na Adolescência
Pela gravidade, a Esquizofrenia é o tema central dos Transtornos Psicóticos da adolescência. Este diagnóstico, feito com demasiada rapidez e simplicidade em muitas ocasiões, é um diagnóstico sindrômico e deve satisfazer, imperiosamente, a um conjunto de critérios para poder sustentar-se.

A Esquizofrenia aparece muito raramente durante a infância e o inicio da adolescência. Depois do início da adolescência sua incidência aumenta: 13,5% das Esquizofrenias aparecem antes dos 20 anos e 47,3% aparecem entre os 21 e 30 anos. McClelam et al (1993) calcularam que a prevalência da Esquizofrenia de início precoce, ou seja, antes dos 18 anos, era de 12 a 20%.

Enquanto as raras formas que aparecem na infância tendem a ter início insidioso e são invariavelmente mais graves, as Esquizofrenias da adolescência seriam muito mais agudas. No que se refere à relação entre sexos, os estudos mostram proporção igual entre homens e mulheres, entretanto, alguns apontam pouca e discreta maior freqüência entre os homens.

Entre antecedentes pessoais, se encontram com freqüência nos pacientes esquizofrênicos outros transtornos prévios da personalidade, de intensidade moderada ou grave. Em estudo de crianças e adolescentes com transtornos psicóticos (McClelam, idem) foram encontrados 60% de antecedentes de transtornos da personalidade.

Aliás, as características de personalidade pré-mórbida (antes da crise) são elementos importantíssimos para diferenciar a Esquizofrenia, cuja personalidade pré-mórbida é comumente esquizóide ou paranóide, do Episódio Delirante Agudo, que normalmente não tem essa característica. Um dos critérios de diagnósticos para Esquizofrenia, segundo o DSM IV, é a duração do surto psicótico.

De fato, esse continua sendo um dos mais importantes diferenciais entre essa doença e o Episódio Delirante Agudo; para ser classificado como Esquizofrenia os transtornos psicóticos persistem durante um período mínimo de seis meses. Este critério de duração é tão importante para a Esquizofrenia do adulto quanto da adolescência e, em revisão dos critérios diagnósticos para Esquizofrenia na adolescência, Jeammet (2000) concluiu que o critério de duração mínima de seis meses continua sendo um dos mais seguros.
Podem surgir ainda, na fase prodrômica, experiências de percepção incomuns, como por exemplo, sentir a presença de uma pessoa ou força invisível, ainda que não existam alucinações francas. O comportamento nessa fase, embora não seja amplamente desorganizado, pode ser peculiar, como por exemplo, resmungar para si mesmo, colecionar objetos estranhos e visivelmente sem valor. Mas tudo isso só tende a confundir ainda mais o diagnóstico médico, já que, na adolescência normal, tudo isso pode ser perfeitamente comum.

Os sintomas característicos de Esquizofrenia franca envolvem disfunções cognitivas com prejuízo da crítica, alterações da sensopercepção, distúrbios do pensamento, da linguagem, da comunicação, do comportamento, da volição, dos impulsos, da atenção e do afeto. Todo esse conjunto sintomático acaba por resultar em sério prejuízo no funcionamento ocupacional ou social.

Em termos de comportamento e interação social, a maior parte dos esquizofrênicos mantém contatos sociais relativamente limitados. Na Esquizofrenia, os adolescentes que eram socialmente ativos podem tornar-se retraídos, perdem o interesse em atividades com as quais anteriormente sentiam prazer, tornam-se menos falantes e curiosos, e podem passar a maior parte de seu tempo na cama. Para a família esses sintomas de apatia e desinteresse, chamados de sintomas negativos, costumam ser o primeiro sinal de que algo está errado.

Na criança e no adolescente os sintomas psicóticos mais freqüentes da Esquizofrenia são as alucinações auditivas, o delírio e os transtornos do curso do pensamento, tais como incoerência, prolixidade e fuga de idéias. Apesar desses sintomas, deve ser destaca a presença de alterações afetivas em graus variáveis, concomitantemente presentes em até 52 % dos casos (Hallon, idem).

Transtorno do Humor Grave com Sintomas Psicóticos
A maioria dos autores da atualidade reconhece a freqüência elevada dos Transtornos do Humor Grave com Sintomas Psicóticos com início na adolescência. Em 1921 Kraepelim já reconhecia que 3% dos casos de episódios maníacos ocorriam antes dos 15 anos e, 20% deles antes dos 20 anos.

Esta observação, questionada durante algum tempo, se reafirmou na atualidade por alguns estudos publicados, os quais comprovam que os Transtornos do Humor aparecem no 20 a 30% dos casos em pacientes menores de 20 anos (Ballenger, 1982). Nesses trabalhos, a idade media de início dos quadros de humor na adolescência (Transtorno do Humor Grave com Sintomas Psicóticos) fica em torno dos 13,9 e 15,3 anos.

A CID-10 e o DSM IV coincidem na comprovação de que os sintomas psicóticos podem, aparecer no transcurso de um episódio depressivo maior ou de um episódio maníaco com maior freqüência na adolescência que na idade adulta.

Os sintomas psicóticos mais freqüentes nos Transtornos do Humor com manifestações psicóticas são as idéias delirantes, seguidas pelas alucinações auditivas e, por último, por transtornos do pensamento, tais como, perda de associações, incoerência, pobreza do conteúdo, neologismos, perseveração, bloqueios e ecolalia (Abrams, 1981; Ballenger, 1982; Cortos, 1998).

Por causa desses fenômenos psicóticos, jamais podemos considerar, como se fazia antigamente, que as alucinações auditivas sejam patognomônicas da Esquizofrenia. Na adolescência elas são mais comuns em Transtornos Bipolares graves.

Isso explica a freqüência dos erros de diagnósticos de Esquizofrenia em pacientes que sofrem Transtornos Bipolares. E tais erros são tão comuns que, de acordo com o estudo de Werry (idem), a metade dos pacientes bipolares com idade entre 13 e 17 anos foram considerados erroneamente esquizofrênicos depois de reavaliação realizada durante 5 anos de seguimento.

Em adultos esses enganos de diagnóstico são menos freqüentes, embora também ocorram entre essas duas patologias. Pelo estudo de Joice (1982), 72% dos pacientes maníacos cujo transtorno havia começado antes dos 20 anos tiveram um primeiro diagnóstico de Esquizofrenia, contra 24% dos pacientes maníacos cujos transtornos haviam começado depois dos 30 anos.

Transtorno Esquizoafetivo
O conceito francês de Psicose Distímica ou Esquizofrenia Distímica, segundo a terminologia da CFTMEA, ou de Transtorno Esquizoafetivo, segundo a terminologia do DSM.IV e CID.10, levanta o difícil e não resolvido problema da fronteira entre a Esquizofrenia e os Transtornos do Humor (Eggers, 1989).

A CID-10 e o DSM IV não fazem nenhuma menção à especificidade desses transtornos na adolescência. No que se refere aos antecedentes pessoais, com maior freqüência se encontram transtornos da personalidade; quanto aos antecedentes familiares, se observam mais antecedentes de Transtornos Afetivos, mas menos antecedentes de Transtornos Esquizofrênicos que nos outros tipos de Esquizofrenias.

Se o diagnóstico de Esquizofrenia, em geral, tem sido muito difícil de ser feito em adolescentes, o diagnóstico de Transtorno Esquizoafetivo é mais difícil ainda. Isso porque os sintomas se confundem fortemente, no adolescente, com sintomas dos Transtornos Afetivos ou do Humor.

Em um grupo de crianças e adolescentes diagnosticados como esquizofrênicos, Thomsen (1996), comprovou, dez anos depois do diagnóstico inicial, que 21% dos pacientes não tinha Esquizofrenia, mas sim, um Transtorno de Personalidade e, entre esses, 12,4% era do tipo Borderline. Concluiu que aproximadamente metade dos adolescentes diagnosticados erradamente como esquizofrênicos, na realidade poderiam ser portadores de Transtornos da Personalidade e, mais especificamente, de um Transtorno Anti-social ou Borderline da Personalidade.

Alucinações Isoladas do Adolescente
Alguns autores afirmam que as alucinações, embora sejam tipicamente associadas aos transtornos mentais, também podem ocorrer em pessoas sem antecedentes psiquiátricos. Na realidade acreditamos que a frase é verdadeira em sua intenção mas, em nossa opinião, deveria ser dita da seguinte forma: "as alucinações, embora sejam tipicamente associadas aos transtornos mentais psicóticos, também podem ocorrer em pessoas sem psicoses".

O fenômeno alucinatório é demasiadamente grave para excluir algum transtorno emocional. Ocorre que nem sempre ela é patognomônica da psicose (esquizofrênica ou outra), podendo existir em alguns outros transtornos emocionais, tais como Depressão Grave, por exemplo. Pode ainda, tratar-se de uma maneira exuberante de reação ao estresse, uma espécie de vulnerabilidade alucinatória às exigências emocionais.

Entre os fatores favorecedores das alucinações emancipadas dos transtornos psicóticos encontra-se, além da extrema sensibilidade ao estresse, também elementos culturais, tais como, espirituais e religiosos.
Por razões culturais, sabemos que determinados grupos sociais compartilham alucinações, sejam auditivas, visuais ou qualquer outra, sem que tenham todos alguma psicose esquizofreniforme.

Este falso aspecto de loucura é chamado, em francês, de "Folie a Deux" (loucura a dois) ou, conforme as novas denominações, de Psicose Compartilhada. Tal atitude alucinatória, digamos, cultural, funciona como uma espécie de desprezo contra a realidade, à medida que proporcionem apoio à fantasia coletivamente aspirada.

Nos adolescentes as alucinações, consideradas convencionalmente como sintomas psicóticos, também podem aparecer fora de qualquer diagnóstico de psicose. Alguns autores (Altman, 1997) observaram que alucinações e idéias delirantes podem se apresentar, especialmente, em pacientes portadores de Personalidade Borderline ou Esquizotípica, bem como nos estados de Estresse Pós-Traumático e Transtornos Dissociativos.


Freqüência de Transtornos Delirantes-Alucinatórios
Na Esquizofrenia
No Transtorno do Humor Grave
No Transtorno de Personlaidade
(McClelam e Werry)
71%
67%
20%



Quanto aos adolescentes com transtornos de personalidade, McClelam e Werry (idem) encontraram sintomas alucinatórios freqüentes em portadores de personalidade Borderline, Anti-social, Esquizóide e Esquizotípica. De outra forma, nas reações alucinatórias ao estresse intenso, os sentidos podem perceber estímulos que não existem, com a intencionalidade (inconsciente) de "ver" o que se pretende ser visto.

Alucinações emancipadas das psicoses esquizofreniformes devem, a rigor, ser divididas em Alucinoses e Pseudo-Alucinações. As classificações internacionais e os principais psicopatologistas atribuam à Alucinose uma origem exclusivamente orgânica, notadamente conseqüente ao uso de substâncias ou álcool ou à causas eminentemente neurológicas.

Segundo o prof. Eunofre Marques, em certos tipos de alucinose a consciência está preservada e a pessoa mantém o juízo e a crítica normais, assim, essas alucinações são reconhecidas como anormais pelo próprio indivíduo, o qual tem certeza de que não correspondem à realidade. Elas ocorrem, mais provavelmente, em doenças neurológicas, geralmente lesionais ou tumorais.

Em outro tipo de alucinose, não existe crítica do paciente a elas e ele as vive como se fizessem parte real de seu mundo. Esse tipo também tem natureza orgânica e pode ocorrer em quadros de alcoolismo, uso de substâncias, de corticóides, em problemas metabólicos (uremia, p. ex.), em estados de edema cerebral ou nos estados moderados de demência. De qualquer forma, até por questão convencional, não existem alucinoses sem base orgânica, fazendo delas um indicativo diagnóstico.

Nos Adolescentes, onde, excetuando-se a questão do uso de drogas, na maioria das vezes estão afastadas as causas orgânicas, os casos de alucinações isoladas dão-se por razões eminentemente psicogênicas. Com freqüência o próprio adolescente tem noção e crítica da irrealidade do que está percebendo, tornando esses fenômenos mais um tipo de pseudo-alucinações do que alucinações propriamente ditas.


Bibliografia

Altman H, Collins M, Mundy P. - Subclinical hallucinations and delusions in nonpsychotic adolescents. J. Child Psychol Psychiotry 1997; 38 :413-420
 Ballenger JC, Reus VI, Post RM. - The "atypicar dinical picture of adolescent mania. Am. J. Psychiotry 1982; 139: 602-606
 Basquin M, Martinot-Paillere ML, Ouvry O. - Psychoses á I adolescence. Encycf Méd Chir (Éditions Scientifiques et Médicales Elsevier SAS, Paris), Psychiatrie, 37-215-B-30, 1992: 1-4
 Carlson GA, Fennig S, Bromet EJ. - The conlusion between bipolar disorder and schizophrenia in youth: where does it stand in the 1990s. J. Am. Acad Chifd Adalesc Psychiatry 1994; 33:453-460
 Cortos M, Boucherau D, Clervoy P, Speranza M, Jeammet P. - La crise d adolescence est-elle un symptóme? Réflexion sur les symptómes psychotiques á I adolescence. Encéphafe 2001
 Cortos M, Bouchereau D, Clervoy P, Atger F, jeammet P. - Troubles maniacodépressifs á l adolescence. Encycl Méd Chir (Éditions Scientifiques et Médicales Elsevier SAS, Paris), Psychiatrie, 37-214-A-50, 1998: 1-8
 Cornblatt B, Obuchowski M, Schnur D, O Brien J D. - Hillside study of risk and early detection in schizophrenia. Br J. Psy- chiatry (suppl), 1998; 172 : 26-32
 Dumas P, Boualia S, D Amato T. - Schizophrénieettrouble de personnalité schizotypique: vers une approche dinique multidimensionnelle. Perspect Psychiotr 1999; 38 : 173-176
 Fish B. - Neurobiologic antecedents of schizophrenia in children. Evidence lor an inherited, congenital neurointegrative defect. Arch Gen Psychiatry 1977; 34: 1297-1313
 Hallon O, Albert E, Mouren-Simeoni MC, Dugas M. - Troubles thymiques délirants versus troubles schizophréniques délirants. Apropos de I étuded’une cohorte d adolescents délirants, l’.Antécédent set sémiologie. Psychiotr Psychobiol, 1990; S:13.22 I
 Jeammet P.- Lesprémices de la schizophrénie.In: DeClercq M, Peuskens J éd. Les troubles schizophréniques. Paris: (Masson), 2000: 127.144
 JoycePR.- Age on set on bipolar affective disorder and mis diagnosis as schizophrenia. Psychal Med 1982; 14: 145.149
 Kevashan MS, Schooler NR, Sweeney IA, Haas GL, Pettegrew JW. - Research and treatment strategies infirst-episode psychoses. The Pittsburgh experience. Br J. Psychiatry (suppl) 1998;172:60-65
 Malmberg A, Lewis G, David A, Allebeck P. - Premorbid adjustment and personality in people with schizophrenia. Brj Psychiatry 1998; 172: 308-315
 McClellan JM, Werry JS. - Practico parameters lorthe assessement and treatment of children and adolescents with schizophrenia. J.Am. Acad Child Adolesc Psychiatry 1994; 33: (91) 616.635
 McClellan JM, Werry JS, Ham M. - A lollow up study of early on set psychosis: comparison between outcome diagnoses of schizophrenia, mood disorders, and personality disorders. J. Autism Dev Disord 1993; 23: 243.262
 Nuechtertein KH, Dawson ME, Green MF. - Information processing abnormalities as neuropsychological vulner- ability indicators lor schizophrenia. Acto Psychiotr Scond (suppl) 1994 ; 384: 71-79
 Parnas I. - From predisposition to psychosis: progression of symptoms in schizophrenia. Acto Psychiotr Stand (suppl) 1999;395:20-29
 Susser E, Fennig S, Iandorl I, Amador X, Bromet E. - Epidemiology, diagnosis, and course of briol psychoses. Am. J. Psychiatry, l995; 152: 1743-1748
 Thomsen PH. - Schizophrenia with childhood and adolescent onset - a nation wide register-based study. Acta Psychiatr Scand, l996; 94: 187- 193
 Walker EF, Savoie T, Davis D. - Neuromotor precursors of schizophrenia. Schizaphr Bul, 1994; 20: 441-451
 Weinberger DR. - Implications of normal brain development or the pathogenesis of schizophrenia. Arch Gen Psychiatry, 1987;44:660-669
 Werry IS, McClellan IM, Chard L. - Childhood and adolescent schizophrenic, bipolar, and schizoaflective disorders: a clinical and outcome study. J. Am. Acad Child Malesc Psychiatry, 1991; 30: 457-465
 Wyatt RI, Damiani LM, Henter ID. - First-episode schizophrenia. Early intervention and medication discontinuation in the context of course and trealment. J. Psychiatry (suppl) 1998;172:77-83
 Yung AR, McGorry PD. - The prodromal phase of first-episode psychosis: post and current conceptualizations. Schizaphr Bull 1996; 22 : 353-370
 Zubin I. Spnng B. Vulnerability - a new view of schizophrenia. Abnann Psychiat, 1977; 86: 103-126



FONTE: Ballone, GJ Moura EC - Psicose na Adolescência - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2008.






* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.

Nenhum comentário:

Postar um comentário