sábado, 28 de julho de 2012

SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA

 
Desde os primórdios dos tempos o assunto sexo e/ou sexualidade é tratado como um tabu, com ares do profano, do proibido e em algumas culturas a virgindade feminina foi e ainda é tratada como moeda de troca para angariar vantagens para os pais ou responsáveis. 

Também se deve levar em consideração que as mulheres apropriadas para tal “negociação” não poderiam ou podem ter nenhum tipo de deformidade/deficiência ou doença crônica, pois são desvalorizadas e/ou nem entram no “mercado livre” para casarem-se. 

Diante desta sociedade histórica não podemos esquecer que as pessoas com deficiência eram mortas ao nascer ou abandonadas à própria sorte por ser um peso morto para a sua família, ou em algumas culturas menos civilizadas as mães também tinham o mesmo sortilégio dos seus rebentos com deficiência, porque eram imputadas a elas esta condição de uma mulher impregnada de maus espíritos que geravam filhos com defeitos. 

Isto olhando todo um contexto histórico da raça humana em seus momentos de transição cultural ao qual passamos, vivemos no ocidente uma cultura aberta até certo limite, desde que não fira a moralidade social e não afronte o que é tolerável ao moldes sociais em que vivemos. 

A mulher moderna ocidental vive uma fase que é livre para trabalhar, ganhar seu sustento, liberdade sexual e de escolher seu parceiro e companheiro, sem retaliações ou críticas sociais, mas olhando um pouco mais profundamente tem um outro recorte minúsculo ao qual a sociedade não tem feito nenhuma conjecturação para trazer a tona uma discussão séria e aberta para entendimentos e garantias de direitos. 

O recorte do público que fazemos referência é a pessoa com deficiência, se para a sociedade existe certa dificuldade, uma crise em seu âmago no que diz respeito sobre sexualidade, imagine então falar, pensar sobre isso para estas pessoas que já vivem marginalizadas, excluídas por falta de acesso a qualquer tipo de informação, lazer, trabalho, transporte e ao seu principal direito, a sua cidadania e livre-arbítrio. 

Com a ratificação em 2008 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU e grupos dentro do governo discutindo e fomentando tímidas literaturas sobre este tema da sexualidade, observamos que estamos de volta no final da década de 70 quando pessoas com deficiência reuniam-se para discutir sobre vários eixos que nortearam políticas públicas e uma vasta legislação para o nosso movimento social, nos garantindo direitos sociais, econômicos e políticos incontestáveis para um trabalho inclusivo sério, com reflexos atuais. 

Estamos no início de algo grandioso e que finalmente teremos todos os eixos de nossas vidas discutidos em uniformidade para uma qualidade de vida plena e também temos que ter em mente que a sexualidade é um direito de todos, independente de raça, cor, sexo, credo religioso, basta ser pessoa. 

Hoje é um tema que está elencado em um instrumento jurídico internacional, com status de Direitos Humanos, ou seja, não pode e não deve ser levada mais de forma inconseqüente, mesmo porque temos várias pessoas com deficiência namorando, casando, tendo seus filhos, constituindo família, não temos mais como fechar os olhos perante tal situação e fingirmos que isto não acontece em nosso meio social. 

A sexualidade desta pessoa é um direito de caráter humanista, mas necessita do apoio e entendimento da família para que este obtenha um desempenho social saudável, e um desprendimento natural para suas realizações psicosociais e emocionais. 

Por incrível que pareça, mas ainda vivemos uma super proteção da família em relação a esta pessoa, por falta de conhecimento, discussão aberta sobre sexualidade e sexo dentro dos lares e no convívio social, porque é mais fácil esconder, reprimir do que entender, libertar, incentivar esta vivência plena. 

Sonegando, reprimindo o desconhecido por medo, excesso de cuidados ou talvez inconscientemente uma atitude menos agressiva ou torpe de trazer a “morte” da perpetuação desta espécie que não estão nos moldes da perfeição que a sociedade exige. 

A cultura do belo e do perfeito estão cada vez mais impregnados na mídia, na sociedade, pois se não estão enquadrados nestes quesitos devem ser retirados para não trazerem constrangimentos com uma sociedade fora dos padrões. 

Existem pesquisas em vários países que a deficiência tem uma ligação profunda com a pobreza, devido à desnutrição causada pela fome ou por guerrilhas internas, sendo assim mais dificultoso o trabalho de expansão destes direitos a estas pessoas. 

O direito a sexualidade e a sua reprodução são de todos, como também a pessoa com deficiência, porque se esta tem sua capacidade legal e cognitiva preservado ela também tem libido sexual, podendo assim namorar, casar, ter seus filhos ou simplesmente viver sua sexualidade com quem escolher, desde que tenha seu livre-arbítrio pleno e seguro. 

Com o exercício da sua sexualidade, a pessoa com deficiência, também deve ter consciência de responsabilidades que automaticamente vem junto, pois temos um jargão muito usado em nosso meio, cada direito adquirido, dois deveres exercidos, um de respeitar o limite do direito do outro e dois de exercer até o limite do nosso. 

Cabe a família a inclusão e o exercício dos direitos e deveres de seus filhos com deficiência, trazendo toda a informação necessária para uma vida saudável e plena e ao Estado a execução de Políticas Públicas para que este obtenha o melhor desempenho social possível. 

Enquanto temos de um lado a super proteção de algumas famílias, por outro lado temos a omissão de outras, que não se importam com esta pessoa, por ter sofrido a “morte” deste filho ao nascimento, morte esta dos sonhos do “filho-perfeito”, ocasionando assim problemas sociais sérios, tais como, abandono destes dentro dos lares ou ainda em melhores situações em orfanatos, maus-tratos, prostituição, abusos sexuais, enfim situações complexas trazendo as mazelas humanas à tona. 

Existem sim em nosso meio, pessoas com deficiência, conscientes dos seus encantos que usam desses mecanismos para a prostituição consentida pela família, como forma de sustento para seus lares, parece que estamos falando de um mundo surreal, mas que está em embaixo dos nossos olhos e insistimos em não enxergar. 

Outra situação que também temos notícias é o tráfico destas pessoas para fora de nossas fronteiras para serem usadas como prostitutas ou escravas sexuais para fetichistas ou sabe-se lá o que a mente humana permite. 

O sexo sempre foi e será usado de forma ponderada ou não, não independe da pessoa ter deficiência ou não, porque a sexualidade ou o sexo está dentro de nós, dentro do nosso cérebro, é um estado de espírito, porque se fosse somente orgânico, não precisaríamos de psicólogos ou psiquiatras para trabalhar nossas angústias, traumas, seria um mecanismo automático, teríamos ou não prazer. 

Para obtermos o melhor de nós em nossa sexualidade existe um conjunto de situações, um corpo e mente saudável, um ambiente legal ou não, depende dos fetiches e vontades de cada um, confiança mútua, vontade de explorar um ao outro, acreditar em si mesmo, e estar bem consigo próprio em primeiro lugar… a descoberta, a vontade, a respiração, o respeito pelo outro, a pele, a química, o toque, o olhar, o cheiro, o ambiente, o universo, o momento, e dane-se o mundo… 

A pessoa com deficiência, antes de acreditar que alguém possa se apaixonar por ela, precisa do carinho da mãe no útero, a inclusão e aceitação no lar, amar a si primeiro, ter auto-estima, conhecer os seus limites para saber escolher com quem irá se relacionar… haverá vezes que o relacionamento não dará certo, como em qualquer situação em que esteja envolvido os sentimentos, mas é vivendo que crescemos, que amadurecemos, que aprendemos amar e ser amados, em que seremos plenamente humanos. 

O sexo e a sexualidade da pessoa com deficiência deve ser orientada de forma igual, sem medo de estarmos incentivando algo profano, embora deve ser encarado como algo salutar, melhor orientar em todos os sentidos do que pecarmos pela omissão e depois conviver com situações penosas de doenças e angústias emocionais destas pessoas. 

Temos que ter consciência que estas pessoas estão mais propensas a adquirir AIDS, DSTs (doenças sexualmente transmissíveis), não é porque tem uma deficiência que está envolta em uma aura de santidade, é assexuada, ou não tem vários (as) parceiros (as), engana-se quem pensa desta forma, porque atualmente estas pessoas estão namorando mais, saindo mais para passear e trabalhar, interagindo mais com o mundo, principalmente com a advinda da internet dentro dos nossos lares, com mudanças de comportamentos bem interessantes e merecedores de estudos. 

Neste século temos em nossas rodas de discussão um tema muito polêmico e que até o presente momento quase não tínhamos informações sobre tal assunto, os devotees. 

As pessoas vão perguntar, afinal o que são mesmo esses devotees? 

Homens e mulheres que, independente de sua opção sexual, idade, credo, raça, origem, nível intelectual, nível social econômico ou condição física, sente-se atraídos por pessoas com deficiências. Tendo essa atração, em muitos casos, um forte cunho sexual. Revista REAÇÃO julho/agosto 2010, página 71. 

Este tema está insurgindo novamente nas rodas, mas atualmente com mais seriedade, sem a conotação de que a pessoa com deficiência é vítima dos devotees ou que eles sodomizam essas pobres criaturas para ter proveito em suas “taras”. 

Com o amadurecimento das pessoas hoje temos uma mente mais aberta para toda esta polêmica, levando sempre em consideração que nós, pessoas com deficiência, temos o direito a nossa sexualidade, direito a nossa reprodução, em constituir nossa família ou não, em relacionarmos com quem bem entendermos, porque antes da deficiência, somos pessoas, então partimos da premissa que temos direito humanos. 

Ficando aí algumas idéias para que possamos fazer reflexões sérias neste contexto e tema, sobre a diversidade humana. 

* Márcia Gori é bacharel em Direito-UNORP, sócia da Assessoria de Direitos Humanos São Thomas de Aquino, ex-presidente do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência – CEAPcD/SP, atualmente é Conselheira Estadual do CEAPcD/SP, Presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São José do Rio Preto/SP, funcionária pública da Secretaria Municipal da Assistência Social e membro do CAD – Clube Amigos dos Deficientes de São José do Rio Preto/SP. Apresentadora do programa “Diversidade Atual” no canal 30 – RPTV, miss tattoo 2010 e colaboradora do Núcleo de Inclusão Social da UNORP, palestrante sobre Sexualidade, Deficiência e Inclusão Social da Pessoa com Deficiência, além de fazer parte do casting de modelo fotográfico da agência Kica de Castro Fotografias. 


Fonte: Artigo da Marcia Gori para a Agenda 2011 em Fortaleza/Ceará


* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.

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