quarta-feira, 31 de outubro de 2012

AMANHÃ EU FAÇO





POR: Luiz Eugênio de A. M. Mello

Ano Novo, vida nova, novos planos para o futuro: cuidar melhor da saúde aprender ou melhorar os conhecimentos de uma língua estrangeira, arrumar aquela peça quebrada do carro ou da casa e por aí vai. Mas como bem sabemos, para a maioria das pessoas pouco desses planos terão realmente se concretizado ao final do ano.

Dentro de todos nós existe uma forte tendência ao adiamento, à "enrolação", ao amanhã eu começo (com variações é claro).

Talvez não devesse haver qualquer surpresa nisso.

Mas não é só no país de Macunaíma ou dos nossos irmão latino americanos que viceja o "manäna". Antes de ser um problema cultural regional, esse é um problema do ser humano.

A procrastinação, que é como se chama este adiamento das tarefas ou das realizações, é já há algum tempo, objeto da psicologia. Também, diversos desses livros de autoajuda ou guias de eficiência no trabalho ensinam como enfrentar e vencer a procrastinação. As estimativas disponíveis sugerem que entre 15% e 25% das pessoas adultas são, foram, ou serão procrastinadoras em algum momento de suas vidas.

Nos Estados Unidos, berço da cultura anti-procrastinação, um estudo recente sugeriu que a “procrastinação se situa no núcleo de comportamentos, como o abuso de drogas, marcados por impulsividade e baixa capacidade de autocontrole”.

Nesse estudo, publicado na revista "Psychological Science” (novembro de 1997), Dianne Tice e Roy Baumeinster compararam dados de estudantes universitários referentes aos estresses e aos sintomas gerais de saúde em relação às tarefas escolares daquele período. Os estudantes que se diziam procrastinadores tiveram notas piores e também relataram um maior estresse e uma frequência de gripes e resfriados. Na verdade, os procrastinadores se deram melhor no começo do ano, mas acabaram levando a pior no conjunto geral. Uma versão da fábula da cigarra e da formiga sob outra óptica. Assim, se, ao iniciar um trabalho, você precisa antes apontar todos os lápis, arrumar todos os papéis, tomar um gole de água e resolver qualquer outra coisa, cuidado.

Além dos problemas de saúde, entre os fenômenos gerados pela procrastinação estão os sentimentos de culpa pelas tarefas não terminadas e a formulação de pensamentos mágicos (o desejo da tarefa ou problema miraculosamente desaparecer). Como principais soluções: o gerenciamento adequado do tempo e a confecção de listas de coisas a fazer ou objetivos a atingir. Em graus extremos, a procrastinação se associa a estados depressivos, baixa autoestima, e merece acompanhamento especializado, com grande ênfase na psicoterapia.

Os muitos estudos sobre procrastinação entre os estudantes deixam entrever vários aspectos interessantes sobre o assunto. A procrastinação parece estar em parte associada à necessidade básica humana de criação de rituais. Nos estudantes bem adaptados ao sistema escolar, esses rituais têm pelo menos cinco etapas definidas: ansiedade preparatória, sensação de impotência, adiamento da data limite e, finalmente a execução da tarefa e uma sensação íntima (muitas vezes não comemorada) de vitórias. Para algumas pessoas, esse ritual parece envolver o adiamento de alguma tarefa até o último instante possível... quando então, em clima semelhante ao filme de ação e aventura, o trabalho é finalmente terminado ou entregue. De acordo com os especialistas no assunto é possível que, para essas pessoas, o calor da excitação provocado pela situação limite seja a causa da procrastinação.

Um novo alento com relação à procrastinação vem de estudos feito em pombas e publicados por James Manzur em 1996 e 1998. Não somos só nós humanos que sofremos desse mal: as pombas também são adeptas da procrastinação. Tendo que executar uma tarefa, as pombas, nesses estudos, optaram por tarefas maiores e com início mais tardio. Ou seja, preferiam procrastinar, como conclui o autor do trabalho.

Assim como outros seres vivos (ou pelo menos como as pombas), temos um motor que nos empurra para explorar o mundo ao nosso redor e, paradoxalmente, temos também um freio que nos retarda nesse intento. O nosso sistema nervoso e o de diversos outros animais se estruturaram de forma a permitir que circuitos neurais específicos como exploração ou procrastinação.

Como consolo, podemos ao menos alegar a origem ancestral, profundamente
enfatizada, para justificar nossa procrastinação e começar o ano só depois do
carnaval.



FONTE: Publicado na Folha de São Paulo em 03/01/99 caderno Mais.


* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.

A RELAÇÃO PROFESSOR ALUNO: POR QUE AS MENTES SÃO PERIGOSAS?




 POR: Edner Braga

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a relação professor-aluno, a partir da análise do filme Mentes Perigosas. Com base em alguns trechos do filme, vai-se abordando o tema em seus diversos aspectos: atenção, interesse, motivação, orientação, desenvolvimento, vinculação e afetividade. Ao considerar-se cada aspecto revela-se como este se traduz concretamente na relação: sentido de, realidade, formação para a vida pessoal, construção do conhecimento, mentalidade científica, adaptabilidade, formação profissional, realização pessoal, espírito de tolerância, participação social, cidadania e respeito ao ser humano. Conclui-se abordando a importância desta relação no que se refere a qualidade do processo ensino aprendizagem, pois é a relação que permite ao educando significar o conteúdo, e que o enfoque nesta relação se define a partir de uma abordagem humanista e sistêmica da educação. 


Considerações Iniciais 

Inicialmente tinham-se como possibilidades de reflexão sobre Metodologia do Ensino Superior os temas: Profissionalismo; abordagens do ensino e prática pedagógica; relação professor-aluno; estratégias do ensino e processo ensino- aprendizagem; e avaliação como retro- alimentação do processo ensino- aprendizagem. Porém, diante da tarefa de selecionar um dos temas relacionados para ter como foco das reflexões, optou-se pela relação professor-aluno.

Tal escolha se fez imperativa a partir da necessidade pessoal de refletir sobre o tema considerando-se a perspectiva de que a postura interpessoal do docente constitui-se num importante instrumento facilitador do processo ensino-aprendizagem e de que esta está vinculada à adoção de uma das possíveis abordagens do processo de ensino.

O processo da educação constitui-se numa realidade complexa que não se dá a conhecer de forma única e precisa, justamente por se determinar na unidade de múltiplos aspectos. Na educação estão presentes as dimensões humanas, técnica, cognitiva, emocional, sócio política e cultural.

Assim, conforme a abordagem do processo adotado enfoca-se um ou outro aspecto entre os que determinam o fenômeno da educação.
O conhecimento humano, dependendo dos diferentes referenciais, é explicado diversamente em sua gênese e desenvolvimento, o que, consequentemente condiciona conceitos diversos de homem, mundo, sociedade e cultura, educação conhecimento, escola, ensino - aprendizagem, relação professor-aluno, metodologia, e avaliação. Disto derivam diferentes arranjos de situação de ensino-aprendizagem e ações educativas. (MIZUKAMI, 1986, p.51)

Para efeito deste trabalho pretende-se enfocar a abordagem humanista, pois se acredita que nesta, o aspecto fundamental do processo de ensino –aprendizagem é a relação professor- aluno objeto de reflexão do presente estudo.

Define-se esta abordagem como "centrada no aluno", em que o conhecimento é construído a partir das experiências dos alunos e o professor é um facilitador do processo ensino-aprendizagem, dando-se ênfase ao crescimento pessoal que poderá resultar das relações interpessoais.

O homem é visto como pessoa situada no mundo, e está em constante processo de descoberta de seu próprio ser, a partir da ligação com outras pessoas e grupos.

O ser humano reconstrói em si o mundo exterior partindo de sua percepção, de suas experiências atribuindo-lhes significados.

Portanto, cada indivíduo em particular tem sua própria percepção do mundo. A experiência pessoal e subjetiva é fundamental para a construção do saber e atribui-se ao sujeito o papel central na elaboração e criação do conhecimento.

Tendo como ponto de partida esta abordagem espera-se refletir sobre o aspecto da
relação professor-aluno para aprofundar a compreensão e contribuir para a superação de possíveis problemas.

Conforme define Masetto (1990) o ensino em sala de aula é um encontro repetido com espaços de tempo, frequência e duração, pré-determinados, em que seres humanos, colocados dentro dos limites da classe, se defrontam, comunicam e se influenciam mutuamente.

Somente por isto já se pode pressupor a importância da relação professor-aluno, pois por si só, poderá tomar este encontro agradável ou não, dependendo da qualidade desta relação. Porém a importância deste tema cresce na medida em que relembramos através das palavras deste autor, o objetivo deste encontro: "A razão central da realização desse encontro é a aprendizagem do aluno”. (MASETTO,1990, p.l13)
Ou seja, inicialmente podemos pensar que uma relação saudável entre professor-aluno poderia garantir que este encontro fosse agradável e que despertasse o desejo de ambos em estar participando do mesmo. Isto asseguraria no mínimo a presença dos participantes do processo de aprendizagem, fato sine qua non , para que o ensino ocorra.

Pode-se afirmar também que o sentimento de bem estar nesta relação é importante para assimilação dos conteúdos, uma vez que se sabe que a atenção e a memória são seletivas, e que esta seleção é baseada nas associações afetivas estabelecidas entre o aprendido e a situação em que se aprendeu. Assim uma situação de aprendizagem num clima sócio- emocional saudável proporciona maior assimilação dos_ conteúdos, e um clima sócio-emocional conflituoso dificulta a assimilação dos mesmos. Isto pode ser depreendido a partir da afirmação a seguir:

Mesmo estando limitados por um programa, um conteúdo, um tempo pré - determinado, normas diversas da instituição de ensino, etc., o professor e o aluno, interagindo, formam o cerne do processo educativo. Conforme o rumo que tome o desenvolvimento desta interação, a aprendizagem do aluno pode ser mais ou menos facilitada, orientada mais para uma ou outra direção.
(MASETTO, 1990, p. l13)

Entretanto Masetto nos lembra que esta é uma relação de dois pólos e recai sobre ambos (professor e aluno) a responsabilidade na determinação do clima dessa relação. Porém, estes desempenham papéis diferenciados nessa interação de sala de aula, e cabe ao professor tomar a maior parte das iniciativas, incluindo dar o tom no relacionamento estabelecido entre eles.

Por outro lado, o aluno traz também suas contribuições: capacidades, interesses, conhecimentos anteriores e um projeto de realização pessoal no qual a instrução, a preparação profissional e a aquisição de novos conhecimentos é requisito parcial.

Portanto, a ligação entre professor e aluno deve ser de reciprocidade, o princípio e a base da colaboração. Sem reciprocidade, simpatia e respeito nesta relação são praticamente impossíveis quaisquer trabalhos construtivos na ação educativa.
A condição básica é o respeito à personalidade do educando que deve ser tratado como pessoa. As atividades em sala de aula devem ser permeadas por uma interação harmoniosa, no sentido da noção do trabalho em comum, compreensão, simpatia e motivação.

Como vimos o papel do professor nessa tarefa é decisivo, pois depende de sua capacidade de liderança e compenetração a qualidade do conhecimento construído.

Embora muitos professores desejem que o aluno, desde o início do curso, apresente um comportamento que requer integração, acomodação e aprendizado, este só é possível na etapa final dos estudos. Deve-se lembrar que estes comportamentos são os objetivos finais e não iniciais do processo educativo.

Normalmente as queixas em relação ao aprendizado e a indisciplina recaem sobre "o que os alunos fazem", porém para compreender o comportamento do aluno é necessário que se atente para "o que os professores fazem". Deve-se refletir sobre o fato de que o comportamento indesejável e as dificuldades que os alunos apresentam em relação à assimilação dos conteúdos podem ser reações às atitudes e posturas dos professores.

Partindo-se desta exposição inicial, pretende-se através da análise de algumas situações do filme Mentes Perigosas, aprofundar as reflexões sobre as dimensões e aspectos da relação professor-aluno.

Reflexões sobre as Mentes Perigosas
Louanne Johnson é uma oficial da Marinha que abandona sua carreira militar de nove anos para realizar um antigo sonho: tomar-se professora de Inglês. Enquanto adquire suas credenciais numa escola de segundo grau do norte da Califórnia, ela é designada para ensinar um grupo de estudantes que irá mudar sua vida para sempre. E vice-versa. Para vencer a resistência de seus alunos em aprender Ms. Johnson quebra todas as regras, cria seu próprio currículo e aceita o desafio que o grupo de jovens lhe impõe. (Sinopse extraída do texto de divulgação do filme.)

Este filme foi escolhido como provocador das reflexões a que se propõe este estudo, pois apresenta muito claramente as possibilidades de transformação que a relação professor-aluno pode propiciar.

Louanne Johnson, professora inexperiente é designada a assumir uma classe que gozava de uma péssima reputação. Teve dificuldades iniciais no contato com a classe. Essas dificuldades eram decorrentes das "profecias auto-cumpridoras" que o corpo docente da escola nutria a respeito desses jovens. Ou seja, sua conduta inadequada e sua desadaptação social eram apenas reações comportamentais ao que se esperava deles.

O primeiro impacto que teve em relação a turma, quase a fez desistir: "- Não posso lecionar para eles! "

Então seu amigo responde: "- Você pode. Tudo o que precisa é chamar a atenção deles."

Assim, esta educadora a partir deste pequeno diálogo, percebeu que a primeira providência a tomar seria a de despertar a atenção dos alunos. Como ela fez isto?

Procurou conhecê-los, entender suas realidades sociais e pessoais, ou seja, orientou sua relação o com os alunos para o sentido da realidade.

A este respeito podemos citar Nérici (1989):
"O educando, futuro cidadão, precisa conhecer a realidade física, social e cultural em que tem que viver. Desta necessidade de inspiração e articulação das atividades educacionais com os fatos e motivos da realidade, a fim de o educando chegar a melhor conhecer e compreender o meio em que tem de viver e atuar.” (p. 11)

Portanto, o estudo da realidade engloba também a sua problemática para que, futuramente, o educando possa agir conscientemente, predispondo-se a cooperar na busca e implementação de soluções, desenvolvendo um sentido de aperfeiçoamento e de evolução.

Na medida em que "investigava", incentivando seus alunos a falar sobre suas vidas, tomava consciente para eles, aspectos das suas vivências que estavam inconscientes.

Esta conduta na relação professor-aluno abriu a possibilidade de que seus alunos no mínimo parassem para prestar atenção em suas perguntas. Isto despertou um sentimento de que alguém estava atento a eles; a reação de reciprocidade na atenção foi quase que uma resposta natural.

Porém o processo ensino-aprendizagem pararia aí, caso Ms. Johnson, não atentasse para outro aspecto da relação: Interesse.

Este aspecto refere-se a levar em conta as reais possibilidades do educando em sua formação. Isto quer dizer, formar de acordo com a realidade de cada um, com o objetivo de desenvolvê-los em conformidade com as efetivas condições e possibilidades biopsíquicas em correspondência com as possibilidades e necessidades sociais.

Podemos detectar isto durante o filme, pois a professora está sempre buscando estabelecer relações entre o conteúdo e a realidade de seus alunos.

O interesse pela realidade do aluno, faz despertar o seu próprio interesse em sua realidade e nas relações que se podem estabelecer entre o que é aprendido e a vida. A possibilidade de relacionar é que desperta e mantém o interesse.

Não basta apenas despertar a atenção, deve-se ir além disso, levando o educando a querer aprender. É a isto que chamamos interesse. E o interesse é sempre relacional: estimula-se a partir da relação professor-aluno e estende-se à relação aprendizado-vida:

- Poesia será moleza para este grupo.
- Você fica falando em poesia O que poesia tem a ver com essa droga?
- Poesia? Bem... se você pode ler poesia, pode ler qualquer coisa Se está pronto para a poesia, está pronto para o urso.

O vínculo de interesse professor-aluno é a base dos vínculos nas relações com a realidade e de outras relações futuras, incluindo o vínculo com a construção do conhecimento e com a mentalidade científica.

Todos poderão, no entanto, adquirir mentalidade científica, de maneira a se livrarem das atitudes de credulidade, de ingenuidade e de insegurança diante dos fatos do mundo.” (NÉRICI, 1989, p.19)

Percebe-se, no filme, que isto é contemplado a partir da solicitação da professora para que os alunos pesquisassem e estabelecessem relações entre a poesia de Bob Dylan e Dylan Thomas. É esta a base da mentalidade científica, estabelecer relações para a construção do conhecimento.

Outro ponto fundamental da relação professor-aluno é a motivação. O educador deve estabelecer um clima de entusiasmo em sala de aula e vincular-se com o aluno de forma participativa, empática e libertadora.

Louanne procura proporcionar os aspectos citados anteriormente iniciando com motivação a partir do reforçamento de respostas assertivas.

"- Resposta correta
- Então me passa minha barra de chocolate "

Premia por resultados:
"- Bem, o negócio é esse.. Quando terminarem de ler, eu os levarei a um lugar que tem os mais altos saltos de pára-quedas... os mais deliciosos hot dogs e os melhores prêmios do mundo. "

Estimula também a competição saudável, através de concursos com prêmios:
"- Aqueles que vencerem o torneio Dylan- Dylan irão jantar comigo. "

E por fim, leva-os a perceberem que aprender é o melhor prêmio:

"- Qual será o nosso prêmio por aprendermos isto?
- Aprender... esse será o prêmio. Saber como ler e compreender algo. Esse é o prêmio. Saber como pensar... Esse é o prêmio.
- Eu já sei como pensar.
- Sabe como correr também, mas não saberia sem treino. A mente é como um músculo. Se quiserem que seja forte terão que trabalhá-la Cada fato novo dá a vocês outra escolha. Cada idéia nova faz outro músculo, certo? Esses músculos serão suas armas. E neste mundo sem segurança eu quero armar vocês.
- E os poemas são capazes de fazer isto?
- Sim, Tente! Está sentado aqui de qualquer forma. Se ao final do semestre, não estiver mais rápido forte e inteligente.. não perdeu nada. Mas se estiver... estará muito mais duro... de se derrubar.

Não se trata aqui de refletir sobre os méritos das formas como ela motiva os seus alunos, mas sim, refletir sobre a importância de uma relação motivadora para propiciar a aprendizagem.

Portanto, a dimensão motivadora desta relação deve favorecer a participação, a extroversão e a formação para a vida pessoal, como nos lembra Nérici (1989):

"Esta exigência, no entanto, se faz necessária, não no sentido de transformar um intro em extrovertido, mas de levar um introvertido a perceber e notar mais o mundo exterior, porque este requer, cada vez mais, maior atenção, tendo em vista a sua crescente mecanização que representa um perigo permanente para distraídos e concentrados em si mesmos. (.. ) É preciso, pois propiciar ao educando exercícios que o ajudem a "sair de dentro de si mesmo. " (p.19/20) "Far-se-á necessária uma preparação(..) para melhor orientação da vida pessoal, tendo em vista o tempo disponíveldo indivíduo. " (p.20)

Isto se faz possível a partir da manutenção da motivação, que é o motor para as realizações no mundo e na vida pessoal.

O quarto aspecto da relação professor-aluno é a característica orientadora. Esta característica está relacionada com as três anteriores e também com os aspectos que serão expostos até o fim deste estudo.

Assim, atenção, interesse e motivação vão produzindo um contexto de participação do aluno no processo de aprendizagem, e também propiciando a possibilidade das relações que se estabelecem com os alunos servirem de meio orientador, a partir da necessidade natural que surgirá de bem utilizar seus recursos próprios.

Isto quer dizer que o professor é autorizado pelo aluno a intervir na forma como esse dá significado a sua realidade e a sua formação, como resultado de um vínculo de confiança.

Esta dimensão refere-se à orientação para a adaptabilidade e para a formação profissional.

No filme, a orientabilidade, aparece a todo momento, porém se toma mais evidente nos trechos que reproduzem os diálogos com Emilio, Callie e Raul.

O aspecto orientador da relação professor-aluno não repousa na função de aconselhamento, pois essa orientação é não- diretiva . O professor pode apenas ouvir a problemática do aluno, e esse simples ouvir pode levar o aluno a resignificar seus problemas e seus recursos próprios para lidar com estes.

Portanto, a orientação deve ser mobilizadora do recursos internos, deve ser potencializadora e principalmente libertadora.

O aspecto que se liga diretamente a este é o do desenvolvimento. Ou seja, as atitudes do professor em relação ao maior ou menor interesse em aprimorar-se, atualizar-se, criar relações de conhecimentos e estabelecer críticas construtivas, ressaltando as características positivas dos alunos, ao invés de propagandear suas dificuldades estimula o desenvolvimento global dos seus educandos.

A postura estimuladora das potencialidades na relação professor-aluno provoca naturalmente o desejo de atualização e educação permanente permitindo um melhor ajustamento às transformações sociais e a realização pessoal.

Além disso, o atendimento ao espírito criador desenvolve a personalidade, explicita as potencialidades e desenvolve o espírito crítico libertando o aluno para pensar por si próprio, para não ser levado a aceitar e reproduzir atitudes que não sejam fruto da sua própria escolha.

"o professor educa não apenas pelo conteúdo que ele transmite, mas principalmente (.. ) pelas suas atitudes (..) é preciso que estas sejam' modelos para serem . imitados "(Zóboli, 1991, p.24)
As atitudes físicas e posturais do professor são muito importantes, principalmente enquanto relação com a figura exemplar que lhe é inerente à função. " (Zóboli, 1991, p.30)

Portanto, não basta que o professor seja estimulador e entusiasmado em seu discurso, mas que também apresente uma postura que revele ser ele uma pessoa atualizada, criativa e crítica, pois a atitude é mais reveladora e ensina mais do que o mais brilhante discurso.

A heroína do nosso filme revela o tempo todo esta dimensão da relação que estabelece com seus alunos:

"- Callie, eu estive pensando que com suas capacidades e suas notas... Você já pensou em ir para a classe avançada no próximo ano? "
" Raul é inteligente, divertido e desembaraçado.
- Eu gosto muito de tê-lo como aluno. "
"- Você percebe o trabalho que você tem feito aqui? Você tem feito algo que é exigido nas universidades. Você pode se formar se trabalhar duro com os outros professores como fez comigo.
- Você acha?
- Eu não acho, eu sei.
- Até que não foi tão difícil.
"- Você não entende nada, você não mora no meu
bairro. Você não pega aquele ônibus”
“- Pois bem, você fez uma escolha, escolheu pegar
aquele ônibus e estar aqui”
- Você não entende nada, moça!
- Outras pessoas do seu bairro escolheram não pegar aquele ônibus... escolheram ficar pelas ruas, vender drogas e matar pessoas. Você escolheu pegar aquele ônibus. “Mesmo que vocês não achem isto uma escolha, foi isto o que vocês escolheram. Portanto, não há vítimas nesta classe.”

A vinculação é um aspecto decorrente de todos os outros e começa a ser construído na relação professor-aluno desde que o encontro em sala de aula. se inicia. É um aspecto fundamental, pois a qualidade dos vínculos estabelecidos determina em grande parte a qualidade do aprendizado.

Quando nos referimos a vinculação, cabe esclarecer que esta é uma norteadora sistêmica da relação e se estende à:

1. Vínculo professor-aluno: como os alunos são percebidos elo professor e como o professor se liga à estes.
2. Vínculo aluno-professor: como o professor é percebido, qual a imagem que ele passa aos alunos, e como os alunos se ligam à ele.
3. Vínculo professor-conteúdo: como o professor se liga ao conteúdo ensinado, suas crenças, sua postura e entusiasmo em relação ao mesmo.
4. Vínculo aluno-conteúdo: como o aluno se liga ao conteúdo, sua manifestação de atenção e interesse em relação ao mesmo, sua motivação em aprender o tema tratado, sua forma de estabelecer relações deste conteúdo com os seus conhecimentos anteriores.
5. Vínculo aluno-aluno: como os alunos se relacionam entre si, qual o clima estabelecido nas suas relações, que tipo de apoio uns oferecem aos outros, nível de competitividade.

Cabe ao professor manejar este universo vinculatório desde o principio da relação em sala de aula. Isto se faz não só valorizando a produção e participação individual que interferirá no vínculo professor-aluno e aluno- professor . Deve-se também estimular o aluno a se interessar em estabelecer relações do conteúdo com a sua realidade pessoal e social que determinará a vinculação professor-conteúdo e aluno–conteúdo.

Por fim, terá que contemplar a vinculação aluno-aluno, através da valorização da participação e do desenvolvimento de trabalhos em grupos.

Esta dimensão e a qualidade da vinculação serão definidoras do desenvolvimento do espírito de tolerância, da participação social, do exercício da cidadania e do respeito pelo ser humano.

"E o professor como líder, é o grande responsável pelo bom relacionamento. Sua influência na sala de aula é muito grande, e a criação de um clima psicológico que favoreça ou desfavoreça á aprendizagem depende principalmente dele" (PILETTI, 1989, p.250)

No filme, percebe-se que a professora atenta para todos os elementos da vinculação:


1. Preocupa-se com a vinculação aluno- professor ao atentar para sua imagem, nas passagens que se referem a que tipo de postura tomará frente a classe, tipo de vestimenta que permita a identificação dos alunos com ela, que fatos da sua vida pessoal revelará à estes e que capacidades demonstrará gradativamente.
2. Preocupa-se com a vinculação professor-aluno, quando procura conhecê-los, saber de suas realidades, conhecer seus anseios e efetivamente participar nas atividades de classe.
3. Preocupa-se com a vinculação professor- conteúdo, ao selecionar temas em que possa crer e transmitir com interesse e entusiasmo.
4. Preocupa-se com a vinculação aluno- conteúdo, ao atentar para estimular as relações do que é ensinado com a realidade do aluno, e explicitando como isto os tomarão capazes de lidar e transformar seus problemas e suas realidades.
5. Preocupa-se com a vinculação aluno- aluno, ao desenvolver atividades de grupo, ao procurar esclarecer problemas de relacionamento entre eles, e ao incentivar a discordância respeitosa de opiniões e a aceitação das diversidades de visões.

O último aspecto que fica muito claro no transcorrer do filme, e de fundamental
importância na relação professor-aluno é a afetividade.

Louanne demonstra uma grande capacidade afetiva nas relações que estabelece ao
aceitar os convites velados que seus alunos fazem para que ela se envolva em seus universos pessoais.

Esta professora participa afetivamente das emoções vividas em sala de aula, seja emoções decorrentes da transmissão do conhecimento, seja das emoções provocadas por problemas pessoais e sociais, seja das emoções surgidas a partir das relações aluno- professor ou aluno- aluno.

"- Quando o corpo docente fez algo por nós?
- Eu sinto muito que você se sinta assim "
"- Por que você se importa? Você está aqui pelo dinheiro. "
- Eu escolhi me importar.., e querida, o dinheiro não é tão bom assim.. "

Ela demonstra que se importa com os alunos, que se preocupa com os seus destinos. É capaz de dar-lhes apoio em suas dificuldades, interessa-se por eles e coloca-se como continente de seus sentimentos.

"- Tem alguma coisa aqui que eu deva saber?
- Vocês querem falar sobre isso? "

De fato, acredita-se que esta é a grande mensagem do filme. Que a afetividade é permeadora e possibilitadora do surgimento dos aspectos relacionais aqui tratados.

Assim, revela que a afetividade é o veículo da qualidade da relação professor-aluno.

Isto nos lembra que ensinar é um ato afetivo, e que o professor que possui esta capacidade, é aquele que realmente ensina, vai além do conteúdo e ensina para a cidadania e para a vida.

CONCLUSÕES

"Sabemos (.. ) que a iniciação da aprendizagem não se baseia nas habilidades de ensinar um líder, no seu conhecimento erudito do campo no planejamento do currículo, no uso de subsídios audiovisuais, na programação do computador utilizado, nas palestras e aulas expositivas, na abundância de livros, embora tudo isso possa, uma vez ou outra, ser empregado como recurso importante Não, a facilitação da aprendizagem significativa baseia-se em certas qualidades de comportamento que ocorrem no relacionamento pessoal entre o facilitador e o aprendiz "
(CARL ROGERS, 1972, citado por MASETTO, 1990, p.l16)

Com base na afirmação acima e tendo-se em vista tudo o que temos discutido ao longo deste trabalho, pode-se afirmar que a relação professor-aluno é um emergente sistêmico da interação em sala de aula e se define a partir da organização interdependente e sinérgica dos aspectos de atenção, interesse, motivação, orientação, desenvolvimento, vinculação e afetividade.

Entende-se que a base do conhecimento efetivo, construtivo e libertador está na capacidade de processar e reorganizar as informações recebidas, disponibilizando- as para a utilização em diversos contextos. Isto só se torna realidade na medida que seja possível aos educandos dar significação às informações recebidas. Isto quer dizer que o conhecimento é o resultado da atribuição de significados pessoais às informações transmitidas.

Significar só se toma possível a partir das relações afetivas que se estabelecem entre o conteúdo e o aprendiz. A relação professor-aluno é o veículo afetivo que possibilita a significação. Ou seja, o componente mais importante no aprendizado é justamente a relação professor-aluno. E isto significa dizer que sem essa relação não há aprendizagem de qualidade, Seria difícil pensar que o aluno liga-se afetivamente, de uma forma natural, ao conteúdo, aos métodos de ensino ou aos recursos audiovisuais. Portanto, a matriz relacional estabelecida com todos os outros componentes do ensino- aprendizagem será pontuada por esta relação.

Depreende-se então que parte desta relação se define a partir das características e capacidades do professor.

"a primeira dessas qualidades é a autenticidade. Ser uma pessoa real, apresentar-se tal como é, entrar em relação com o aluno sem ostentar certa aparência ou fachada , encaminhar-se para um encontro pessoal, direto, com o aluno, encontrando-se com ele na base de pessoa- a- pessoa, ser uma pessoa inteira, viva, com convicções, com sentimentos, que não se submeteu a um formalismo educacional " (MASETTO, 1990, p. 117)

"Uma segunda qualidade é a de apreço ao aprendiz, a seus sentimentos, suas opiniões, sua pessoa (.. ) é a aceitação de um outro indivíduo, como pessoa separada, cujo valor próprio é um direito seu. É uma confiança básica - a convicção de que essa outra pessoa é fundamentalmente merecedora de crédito. (..) Apreço pelo aprendiz como ser humano imperfeito, dotado de muitos sentimentos e muitas potencialidades "(ROGERS, 1972, citado por MASETTO, 1990, p. l17)

"uma terceira é a compreensão empática, quando o professor tem habilidade de se "colocar na pele" do aluno, de "calçar suas sandálias", compreender as reações íntimas do aluno e permitir que este se sinta compreendido por alguém sem que este alguém o esteja julgando" (MASETTO, 1990, p. l17)

Além dessas qualidades, o professor deve estar atuando os aspectos desta relação traduzindo-a concretamente, conforme afirma Masetto (1990) e Small (1992), estando atento:

1. ao uso das aulas expositivas, utilizando-as apenas quando ela se mostrar eficaz para os objetivos a serem buscados.
2, a revelar as diversas explicações para um mesmo fenômeno.
3, a flexibilidade na adaptação do conteúdo às situações emergentes em saia de aula.
4, a permitir a relação do conteúdo às experiências dos alunos.
5. a apontar os inter-relacionamentos da matéria.
6. a favorecer o enfoque que permita voltar atrás, embora em níveis diferentes sobre o conteúdo já assimilado.
7. a não utilizar definições fechadas que limitem a criatividade e a imaginação.
8, a ressaltar os conceitos de limite, causalidade recíproca, interdependência e equilíbrio dinâmico no estudo dos sistemas complexos.
9, a não separar o conhecimento dos fatos da compreensão das relações que os vinculam.
10. a permitir a atuação da subjetividade dos alunos ao compreender que a melhor forma de ser objetivo consiste em reconhecer a subjetividade e tê-la em conta em cada decisão.
11. a permitir a multiplicidade dos valores culturais e individuais e a relatividade das concepções do mundo.
12. a facilitar e incentivar uma aproximação intuitiva, criativa e não- racional para a resolução de problemas.

Confirmando estas colocações apresentamos os resultados de uma pesquisa de Masetto (1992) que procurou investigar as condições facilitadoras de aprendizagem:

"O clima se sala de aula colaborou significativamente para a aprendizagem quando se construiu um ambiente de abertura, com possibilidade de questionamentos, de respeito mútuo entre os alunos e professor, de trabalho descontraído e espírito democrático; quando se construiu um ambiente de participação, no qual professor e alunos trabalharam juntos, expuseram seus pontos de vista, seus estudos, suas opiniões fundamentadas; quando se construiu uma ligação entre teoria e prática, permitindo que a sala de aula se transformasse num espaço onde a realidade externa unha condições de ser considerada e estudada juntamente com os conhecimentos científicos produzidos "(p. 24) (..) "Que características do professor facilitaram a aprendizagem? (.. ) se mostrou bastante rico o elenco destas características: - coerência entre discurso e ação; - segurança, abertura à crítica e às propostas dos alunos, capacidade de diálogo; - competência específica em sua área de conhecimentos; - competência didática; - clareza e objetividade na transmissão de informações; - preocupação com o aluno e seus interesses; - incentivo à participação e capacidade de coordenação das atividades; - relacionamento pessoal e amigo; e . - paixão pela docência. (p.25)

Uma vez que os aspectos da relação estabelecida em sala de aula sejam compreendidos e operacionalizados, pode-se então utilizar, a bateria tecnológica como recursos de ensino, integrando-a nesta concepção de educação.
Isto pode fazer com que o ensino seja uma verdadeira experiência de aprendizado relacionada com o mundo e a realidade.

Assim, após essas reflexões conclui-se que essa perspectiva educacional permite o redescobrimento do significado principal da educação: comunicar a experiência humana.

BIBLIOGRAFIA

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