sábado, 6 de novembro de 2010

RELATO DE UM SURDO



Eu sou apenas surdo. O som é um espetáculo. Senti-lo em minhas cordas vocais, leva-me a imaginá-lo o tempo todo. Na verdade, eu apenas não escuto. O por que destas portas fechadas? Igrejas, escolas, teatros, cinemas, postos de trabalho, faculdades e todos os outros lugares onde sou bem-vindo só por meio de um intérprete de sinais. Em que mundo estou? Do raiar do sol até a ascensão da lua, nada parece ter sido feito para mim. Escutar parece ser algo que distingue os ouvintes como superiores. Principalmente, quando eles nos classificam como deficientes. Deveríamos nos sentir culpados de sermos surdos? A sociedade só nos aceita quando nos tornamos "ouvintes" através das leituras labiais. A vida foi feita em benefício da compreensão mútua. Ignorar o surdo é como neutralizar uma planta que estava para ser árvore. Já não sinto a verdade. O mundo parece uma enorme mentira, daquelas que me sufocam, oprimem e silenciam meus sinais.


Cássio de Souza, historiador
(Extraído do Jornal Estado de Minas em 30/07/2000)

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