quarta-feira, 31 de outubro de 2012

AMANHÃ EU FAÇO





POR: Luiz Eugênio de A. M. Mello

Ano Novo, vida nova, novos planos para o futuro: cuidar melhor da saúde aprender ou melhorar os conhecimentos de uma língua estrangeira, arrumar aquela peça quebrada do carro ou da casa e por aí vai. Mas como bem sabemos, para a maioria das pessoas pouco desses planos terão realmente se concretizado ao final do ano.

Dentro de todos nós existe uma forte tendência ao adiamento, à "enrolação", ao amanhã eu começo (com variações é claro).

Talvez não devesse haver qualquer surpresa nisso.

Mas não é só no país de Macunaíma ou dos nossos irmão latino americanos que viceja o "manäna". Antes de ser um problema cultural regional, esse é um problema do ser humano.

A procrastinação, que é como se chama este adiamento das tarefas ou das realizações, é já há algum tempo, objeto da psicologia. Também, diversos desses livros de autoajuda ou guias de eficiência no trabalho ensinam como enfrentar e vencer a procrastinação. As estimativas disponíveis sugerem que entre 15% e 25% das pessoas adultas são, foram, ou serão procrastinadoras em algum momento de suas vidas.

Nos Estados Unidos, berço da cultura anti-procrastinação, um estudo recente sugeriu que a “procrastinação se situa no núcleo de comportamentos, como o abuso de drogas, marcados por impulsividade e baixa capacidade de autocontrole”.

Nesse estudo, publicado na revista "Psychological Science” (novembro de 1997), Dianne Tice e Roy Baumeinster compararam dados de estudantes universitários referentes aos estresses e aos sintomas gerais de saúde em relação às tarefas escolares daquele período. Os estudantes que se diziam procrastinadores tiveram notas piores e também relataram um maior estresse e uma frequência de gripes e resfriados. Na verdade, os procrastinadores se deram melhor no começo do ano, mas acabaram levando a pior no conjunto geral. Uma versão da fábula da cigarra e da formiga sob outra óptica. Assim, se, ao iniciar um trabalho, você precisa antes apontar todos os lápis, arrumar todos os papéis, tomar um gole de água e resolver qualquer outra coisa, cuidado.

Além dos problemas de saúde, entre os fenômenos gerados pela procrastinação estão os sentimentos de culpa pelas tarefas não terminadas e a formulação de pensamentos mágicos (o desejo da tarefa ou problema miraculosamente desaparecer). Como principais soluções: o gerenciamento adequado do tempo e a confecção de listas de coisas a fazer ou objetivos a atingir. Em graus extremos, a procrastinação se associa a estados depressivos, baixa autoestima, e merece acompanhamento especializado, com grande ênfase na psicoterapia.

Os muitos estudos sobre procrastinação entre os estudantes deixam entrever vários aspectos interessantes sobre o assunto. A procrastinação parece estar em parte associada à necessidade básica humana de criação de rituais. Nos estudantes bem adaptados ao sistema escolar, esses rituais têm pelo menos cinco etapas definidas: ansiedade preparatória, sensação de impotência, adiamento da data limite e, finalmente a execução da tarefa e uma sensação íntima (muitas vezes não comemorada) de vitórias. Para algumas pessoas, esse ritual parece envolver o adiamento de alguma tarefa até o último instante possível... quando então, em clima semelhante ao filme de ação e aventura, o trabalho é finalmente terminado ou entregue. De acordo com os especialistas no assunto é possível que, para essas pessoas, o calor da excitação provocado pela situação limite seja a causa da procrastinação.

Um novo alento com relação à procrastinação vem de estudos feito em pombas e publicados por James Manzur em 1996 e 1998. Não somos só nós humanos que sofremos desse mal: as pombas também são adeptas da procrastinação. Tendo que executar uma tarefa, as pombas, nesses estudos, optaram por tarefas maiores e com início mais tardio. Ou seja, preferiam procrastinar, como conclui o autor do trabalho.

Assim como outros seres vivos (ou pelo menos como as pombas), temos um motor que nos empurra para explorar o mundo ao nosso redor e, paradoxalmente, temos também um freio que nos retarda nesse intento. O nosso sistema nervoso e o de diversos outros animais se estruturaram de forma a permitir que circuitos neurais específicos como exploração ou procrastinação.

Como consolo, podemos ao menos alegar a origem ancestral, profundamente
enfatizada, para justificar nossa procrastinação e começar o ano só depois do
carnaval.



FONTE: Publicado na Folha de São Paulo em 03/01/99 caderno Mais.


* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.

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