POR: Luiz
Eugênio de A. M. Mello
Ano Novo,
vida nova, novos planos para o futuro: cuidar melhor da saúde aprender ou
melhorar os conhecimentos de uma língua estrangeira, arrumar aquela peça quebrada
do carro ou da casa e por aí vai. Mas como bem sabemos, para a maioria das
pessoas pouco desses planos terão realmente se concretizado ao final do ano.
Dentro de
todos nós existe uma forte tendência ao adiamento, à "enrolação", ao amanhã eu começo (com variações é claro).
Talvez
não devesse haver qualquer surpresa nisso.
Mas não é
só no país de Macunaíma ou dos nossos irmão latino americanos que viceja o
"manäna". Antes de ser um
problema cultural regional, esse é um problema do ser humano.
A
procrastinação, que é como se chama este adiamento das tarefas ou das
realizações, é já há algum tempo, objeto da psicologia. Também, diversos desses
livros de autoajuda ou guias de eficiência no trabalho ensinam como enfrentar e
vencer a procrastinação. As estimativas disponíveis sugerem que entre 15% e 25%
das pessoas adultas são, foram, ou serão procrastinadoras em algum momento de
suas vidas.
Nos
Estados Unidos, berço da cultura anti-procrastinação, um estudo recente sugeriu
que a “procrastinação se situa no núcleo
de comportamentos, como o abuso de drogas, marcados por impulsividade e baixa
capacidade de autocontrole”.
Nesse
estudo, publicado na revista "Psychological Science” (novembro de 1997),
Dianne Tice e Roy Baumeinster compararam dados de estudantes universitários
referentes aos estresses e aos sintomas gerais de saúde em relação às tarefas
escolares daquele período. Os estudantes que se diziam procrastinadores tiveram
notas piores e também relataram um maior estresse e uma frequência de gripes e
resfriados. Na verdade, os procrastinadores se deram melhor no começo do ano,
mas acabaram levando a pior no conjunto geral. Uma versão da fábula da cigarra
e da formiga sob outra óptica. Assim, se, ao iniciar um trabalho, você precisa
antes apontar todos os lápis, arrumar todos os papéis, tomar um gole de água e
resolver qualquer outra coisa, cuidado.
Além dos
problemas de saúde, entre os fenômenos gerados pela procrastinação estão os
sentimentos de culpa pelas tarefas não terminadas e a formulação de pensamentos
mágicos (o desejo da tarefa ou problema miraculosamente desaparecer). Como
principais soluções: o gerenciamento adequado do tempo e a confecção de listas
de coisas a fazer ou objetivos a atingir. Em graus extremos, a procrastinação
se associa a estados depressivos, baixa autoestima, e merece acompanhamento
especializado, com grande ênfase na psicoterapia.
Os muitos
estudos sobre procrastinação entre os estudantes deixam entrever vários
aspectos interessantes sobre o assunto. A procrastinação parece estar em parte
associada à necessidade básica humana de criação de rituais. Nos estudantes bem
adaptados ao sistema escolar, esses rituais têm pelo menos cinco etapas
definidas: ansiedade preparatória, sensação de impotência, adiamento da data
limite e, finalmente a execução da tarefa e uma sensação íntima (muitas vezes
não comemorada) de vitórias. Para algumas pessoas, esse ritual parece envolver
o adiamento de alguma tarefa até o último instante possível... quando então, em
clima semelhante ao filme de ação e aventura, o trabalho é finalmente terminado
ou entregue. De acordo com os especialistas no assunto é possível que, para essas
pessoas, o calor da excitação provocado pela situação limite seja a causa da
procrastinação.
Um novo
alento com relação à procrastinação vem de estudos feito em pombas e publicados
por James Manzur em 1996 e 1998. Não somos só nós humanos que sofremos desse
mal: as pombas também são adeptas da procrastinação. Tendo que executar uma
tarefa, as pombas, nesses estudos, optaram por tarefas maiores e com início
mais tardio. Ou seja, preferiam procrastinar, como conclui o autor do trabalho.
Assim
como outros seres vivos (ou pelo menos como as pombas), temos um motor que nos
empurra para explorar o mundo ao nosso redor e, paradoxalmente, temos também um
freio que nos retarda nesse intento. O nosso sistema nervoso e o de diversos
outros animais se estruturaram de forma a permitir que circuitos neurais
específicos como exploração ou procrastinação.
Como
consolo, podemos ao menos alegar a origem ancestral, profundamente
enfatizada,
para justificar nossa procrastinação e começar o ano só depois do
carnaval.
FONTE: Publicado
na Folha de São Paulo em 03/01/99 caderno Mais.
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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