O
instinto materno não é automático, incondicional e inflexível, como
muitos imaginam. Pesquisadores da Ufes (Universidade Federal do Espírito
Santo) mostraram quais fatores ambientais e sociais específicos modulam
o quanto as mães se dedicam a seus filhos.
"Quanto
maior a proximidade entre a mãe e a criança, mais a mãe vai cuidar
dela, independente da renda, religiosidade ou se a criança foi
planejada", disse à Folha Tiago Zortea, mestre em psicologia pela Ufes, um dos autores do estudo.
Até
então, as pesquisas sobre o cuidado materno haviam descoberto
independentemente diversos fatores influenciando o comportamento de
cuidar, como incidência de doenças, renda e relacionamentos familiares.
"Buscamos
construir um modelo que engloba todas essas variáveis de uma só vez,
com uma análise mais complexa", diz o pesquisador.
Dessa
forma, Zortea e colaboradores puderam comparar o peso de cada um dos
diferentes fatores na modulação adaptativa do investimento materno. O
estudo foi apresentado na 21ª Conferência Bienal de Etologia Humana em
Viena, na Áustria.
MODELANDO O CUIDAR
As
participantes do estudo foram 98 mães com crianças de 0 a 9 anos e
renda mensal variando de R$ 102,00 a R$ 21,8 mil vivendo na região
metropolitana de Vitória.
Elas
responderam uma bateria de questionários que buscava informações sobre
"os relacionamentos entre os membros da família, sobre a criança, sobre
as expectativas de futuro da mãe, suas condições de vida e também dados
sobre o cuidado que oferecem a seus filhos".
As perguntas sobre o cuidado materno continham perguntas sobre os cuidados diários, atenção com a higiene, disciplina e saúde.
"Esperávamos
que as características da mãe e fatores monetários, como renda e
classificação econômica, tivessem um peso maior no modelo. Mas o que
teve maior peso foram as variáveis de relacionamento: qualidade do
relacionamento familiar e proximidade entre mãe e criança", diz Zortea.
A
expectativa que as mães possuem sobre o futuro também influenciou a
intensidade do cuidado que elas devotam a seus filhos. "Quanto mais
'tumultuada' for a qualidade de vida da família, menos esperançosa a mãe
fica com relação ao futuro dela e ao futuro dos filhos, e essa
'desesperança' faz com que ela cuide menos de seus filhos."
O
mesmo ocorreu com o sexo da criança. "Para as mães participantes do
estudo, quando as crianças eram do sexo feminino, maiores eram as
expectativas das mães e mais frequente era o cuidado para com elas." As
mães parecem ter mais certeza de retorno do investimento materno ao
cuidar das meninas, já que a taxa de mortalidade de meninos de até um
ano é mais que o dobro do que a de meninas no Espírito Santo.
É
importante ressaltar que essa alteração no cuidado fornecido aos filhos
não é necessariamente consciente, isto é, a mãe não percebe
racionalmente que essas coisas acontecem, ela vai reagindo e enfrentando
as demandas locais de cada momento.
IMPLICAÇÕES
Tiago
ressalta que foi importante "a demonstração de que nenhum dos fatores
que influenciam o cuidado materno o determina sozinho. O peso de cada
fator muda de acordo com o conjunto específico de fatores que está sendo
considerado, ou seja, muda de acordo com a amostra de participantes".
"Desse
modo, o resultado que obtivemos para as mães da cidade de Vitória, por
exemplo, pode ser diferente para as mães ribeirinhas do Amazonas, dadas
as diferentes demandas do contexto onde estão."
Para
que haja cuidado, é necessário um conjunto de fatores que deem à mãe a
noção de previsibilidade e estabilidade em diversos aspectos para cuidar
da criança. Quando esse conjunto de fatores não está presente, ocorre o
que em geral vemos nos noticiários: maus-tratos, abandono de crianças
ou até mesmo infanticídio.
"Já
que o comportamento de cuidar está relacionado a esses fatores, é
possível trabalhar no sentido de prevenir esse tipo de acontecimento
investindo exatamente nas condições em que as mães estão inseridas."
É
importante ressaltar que qualquer ser humano submetido a condições
extremas de necessidade pode apresentar comportamentos violentos, de
risco e também de redução de cuidados com seus filhos.
"Não
se trata de uma classificação por raça, gênero ou condição social.
Estamos falando do funcionamento universal da mente humana gerando
comportamentos ajustados à condições locais, e nesse aspecto todos
estamos envolvidos."
Fonte: Folha
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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