Nas
últimas décadas, devido a uma grande variedade de métodos laboratoriais e
analíticos, a investigação genética deu um grande salto com enfoque sobre
fatores moleculares, denominando-se, então, genética molecular. Entre as mais
variadas áreas do desenvolvimento humano, houve um grande interesse da
comunidade científica internacional nos estudos genéticos e moleculares da esquizofrenia.
Há
suficientes evidências da presença de um componente genético familiar
substancial na origem da esquizofrenia. Essas evidências provêm
de um grande número de estudos familiares, em irmãos gêmeos, não gêmeos e
adotados, realizados em diversas populações.
Os
estudos familiares não fornecem uma avaliação direta e localizada do componente
genético, mas sim uma ideia do caráter familiar para a doença. Esse caráter
familiar da esquizofrenia poderia ser ocasionado por diversos fatores, entre os
quais os fatores hereditários.
Normalmente
esses estudos familiares avaliam a prevalência da doença nos parentes de uma
pessoa afetada e a comparam com a prevalência da doença num outro grupo de
população chamado de grupo controle. Em geral esse grupo controle é
representado por parentes normais ou, mais frequentemente, pelos índices de
prevalência da população geral.
Apesar de
um grande número de estudos familiares de esquizofrenia já ter
sido realizado até a década de 80, os estudos mais recentes são, geralmente,
considerados de maior validade. Essa maior confiabilidade deve-se ao uso de
instrumentos diagnósticos mais bem estruturados aliados ao uso de grupos
controles mais adequados.
As
investigações genéticas se têm concentrado nos fatores relacionados com a consanguinidade,
a adoção e gestação de gêmeos monozigóticos. Os estudos sobre consanguinidade
comparam a incidência de esquizofrenia em parentes que tenham um
índice de casos com a de famílias de controle. A consanguinidade procura
correlacionar a incidência superior de esquizofrenia. Isolaram-se as duas
variáveis de ambiente genético e cultural mediante o estudo de crianças que
haviam sido adotadas pouco depois do nascimento e que posteriormente
desenvolveram esquizofrenia.
Estes
estudos confirmaram a existência de um componente genético na predisposição à
esquizofrenia. Dos membros biológicos das famílias de crianças esquizofrênicas,
9% eram esquizofrênicos também, mas só 2% dos membros das famílias biológicas
das crianças adotadas não esquizofrênicas; a incidência de esquizofrenia em
famílias de adoção destes dos grupos de crianças era a mesma, por exemplo, 2% e
2% respectivamente (Kety e colaboradores). É mais importante que um dos
progenitores seja esquizofrênico, do que se este for o pai ou a mãe.
Análises
independentes de estes dados utilizando os critérios do DSM-IV, tem confirmado
os achados originais, sugerindo que a expressão genética pode representar uma
"espreita de esquizofrenia" que existe nos transtornos de
personalidade esquizóide, esquizotípica e paranóide. Mas os estudos sugerem
ainda que, mesmo considerando o fator genético na predisposição à esquizofrenia,
isso por si não é suficiente para garantir o desenvolvimento do transtorno.
Estudos
sobre desenvolvimento posterior à concepção, adoção e diferentes resultados de
vida entre irmãos geneticamente idênticos têm permitido uma separação dos
efeitos do ambiente biopsicossocial na apresentação da doença. Somente 20% dos
esquizofrênicos tem um parente de primeiro grau com a doença declarada. Para
outros, parecem existir varias combinações de "fatores de risco",
incluindo os seguintes: consanguinidade com aqueles que tenham outros
transtornos psiquiátricos importantes; estressores identificáveis no período
perinatal e durante o desenvolvimento precoce; transtornos premórbidos da
personalidade de natureza esquizóide, paranóide ou esquizotípico e anormalidades
específicas na anatomia, bioquímica e fisiologia cerebral.
Os
efeitos totais dos fatores de risco definem a vulnerabilidade do individuo. Os
estressores que ocorrem antes do diagnóstico da doença, incluem desde
acontecimentos claramente traumáticos, como por exemplo a morte de um dos pais,
até as exigências normais do desenvolvimento adulto.
O modelo
de esquizofrenia de vulnerabilidade ao estresse aceita a ideia de
que existe uma vulnerabilidade à esquizofrenia que se encontra
presente geneticamente, que tem um efeito patológico no desenvolvimento ao
longo da adolescência e que se expressa como uma doença declarada na idade
aproximada de vinte anos.
Dentre os
estudos familiares mais recentes, em média, parentes de primeiro grau de
esquizofrênicos têm um risco 10 vezes maior do que pessoas da população geral
de serem diagnosticados com esquizofrenia. Esse risco,
entretanto, não é uma medida direta do componente genético da esquizofrenia,
já que os genes são um enlace dos diversos fatores transmitidos e que se
traduzem em agregação familiar do caráter.
Dentre os
vários estudos familiares conduzidos em esquizofrenia, merece
especial destaque o estudo realizado no cantão Roscommon na lrlanda por Kendler
em 1993. Esse estudo avaliou as famílias de todos os indivíduos com diagnóstico
de esquizofrenia registrados nesse cantão (285), os controles
populacionais normais apropriados (150), além de indivíduos com transtorno
afetivo (99). Uma série de avaliações e estudos diagnósticos foi e continua a
ser realizados nessas famílias.
A Tabela
1 mostra valores de vários autores obtidos nesse estudo, assim como em uma
seleção de outros estudos familiares conduzidos em esquizofrenia nos últimos 30
anos.
Tabela 1 -Seleção de estudos familiares realizados em pacientes com
esquizofrenia. Os casos e controles são os parentes de primeiro grau de
pacientes com esquizofrenia e de indivíduos normais, respectivamente*
|
||||||||||
Estudo
|
Ano
|
Critério
Diag.
|
Casos
|
Controles
|
||||||
NE
|
NT
|
RR
|
NE
|
NT
|
RR
|
|||||
Tsuang
et al.
|
1980
|
RDC
|
20
|
362
|
0,055
|
3
|
475
|
0,006
|
9,17
|
|
Baron
et al.
|
1985
|
DSM.III
|
19
|
329
|
0,058
|
2
|
337
|
0,006
|
9,67
|
|
Frangos
et al.
|
1985
|
DSM.III
|
26
|
478
|
0,054
|
6
|
536
|
0,011
|
4,91
|
|
Coryell
e Zimmerman
|
1988
|
RDC
|
1
|
72
|
0,014
|
0
|
160
|
-
|
-
|
|
Getshon
et al.
|
1988
|
RDC
|
3
|
97
|
0,031
|
2
|
349
|
0,006
|
5,17
|
|
Maier
et al.
|
1990
|
RDC
|
23
|
463
|
0,050
|
1
|
294
|
0,003
|
16,67
|
|
Kendler
et al.
|
1993
|
DSM.III-R
|
18
|
276
|
0,065
|
2
|
428
|
0,005
|
13,00
|
|
Varma
et a1.
|
1997
|
DSM.III-R
|
90
|
530
|
0,170
|
2
|
1137
|
0,002
|
85,00
|
|
* Tabela copiada do livro “O
Desafio da Esquizofrenia” de Itiro Shirakawa, Ana Cristina Chaves e Jair
J. Mari
|
NE -
número de indivíduos diagnosticados com esquizofrenia; NT - número total de
familiares avaliados; RR - risco de recorrência nos parentes de primeiro grau.
Também
foi realizado um grande número de estudos em gêmeos, tentando avaliar a
participação do componente genético na causa da esquizofrenia. Os resultados
deixam claro não haver um consenso entre os deferentes estudos, no entanto, de
um modo geral, todos eles sugerem uma substancial contribuição da genética na
causa da esquizofrenia. Os padrões e as características da concordância
observada em gêmeos monozigóticos comparados com a concordância em gêmeos
dizigóticos esquizofrênicos (bem menor), traduzem uma etiologia genética
complexa.
Tal como
os estudos em gêmeos, os estudos de adoção de gêmeos também avaliam a participação
dos componentes genéticos e ambientais na causa da esquizofrenia (Weiss, 1995).
Relacionam, esses estudos, os fatores de indivíduos geneticamente relacionados
por serem gêmeos, porém, expostos a um meio ambiente diferente por terem sido
adotados por famílias diferentes. De modo complementar, têm estudos de
indivíduos geneticamente não relacionados mas expostos a um meio ambiente
semelhante.
Estudos
Genéticos
Muito
usados em genética do comportamento, os estudos clássicos em gêmeos comparam o
fenótipo entre Gêmeos Monozigóticos e Gêmeos Dizigóticos. Gêmeos Monozigóticos
originam-se de um único ovo, portanto, apresentam genoma idêntico, enquanto
Gêmeos Dizigóticos originam-se a partir de diferentes ovos, portanto, do ponto
de vista genético, seriam como irmãos normais não gêmeos e, como tal,
apresentam, em média, apenas 50% do genoma em comum.
Sob a
premissa de que Gêmeos Monozigóticos e Gêmeos Dizigóticos estão expostos de
modo semelhante ao mesmo meio ambiente, toda correlação fenotípica observada
entre Gêmeos Monozigóticos que for superior àquela presente entre Gêmeos
Dizigóticos apontará para a participação de um componente genético na etiologia
da doença (Neale e Cardon, 1992).
Tabela 2 – Concordância de esquizofrenia em gêmeos mono e dizigóticos*
|
|||||||
Estudo
|
Ano
|
Gêmeos
monozigóticos
|
Gêmeos
dizigóticos
|
||||
NC
|
NT
|
Concordância
%
|
NC
|
NT
|
Concordância
%
|
||
Gottesman
e Shields
|
1972
|
15
|
26
|
57,7
|
4
|
34
|
11,7
|
Fischer
et al.
|
1973
|
14
|
23
|
60,8
|
12
|
43
|
09,3
|
Tienari
|
1975
|
7
|
21
|
33,3
|
6
|
42
|
14,3
|
Kendler
et al.
|
1983
|
60
|
194
|
30,9
|
18
|
277
|
06,4
|
Onstad
|
1991
|
15
|
31
|
48,4
|
1
|
28
|
03,5
|
*
Tabela copiada do livro “O Desafio da Esquizofrenia” de Itiro Shirakawa, Ana
Cristina Chaves e Jair J. Mari
|
NC- pares
de gêmeos onde os 2 são esquizofrênicos; NT- núm. total de pares estudados
Os
estudos da agregação familiar, que pesquisa a incidência de esquizofrenia
em gêmeos e o risco de esquizofrenia em adoção de filhos,
permitiram estabelecer de modo consistente a participação de fatores genéticos
na etiologia da esquizofrenia. Entretanto, esse tipo de estudo
não permitiu, claramente, a caracterização e a identificação de quais fatores
estariam de fato envolvidos.
Tais
estudos apontaram sempre para uma concordância estatística sugestiva de
contundente participação hereditária. Esses dados, além do interesse
científico, também foram de grande interesse prático para o aconselhamento
genético.
Mas, para
melhor se entender como a esquizofrenia é transmitida de geração
em geração, devemos tentar conhecer os mecanismos biológicos de sua herança.
Vem daí a necessidade dos estudos da genética molecular.
Os
estudos da genética molecular em relação à esquizofrenia
objetivam identificar e localizar, no genoma humano, quais são especificamente
os genes que tornam as pessoas suscetíveis à esquizofrenia. São
os chamados estudos de mapeamento que se faz utilizando técnicas moleculares.
Uns números consideráveis desses estudos têm sido conduzidos em esquizofrenia
nas últimas décadas, mas as conclusões consistentes são ainda difíceis de
formular.
Conclusões
(provisórias)
Por um
lado, parece não haver qualquer dúvida em relação à participação de um
componente genético importante na causa da esquizofrenia. Por
outro lado, entretanto, saber quantos e quais são os genes que atribuem de fato
maior suscetibilidade a essa doença permanece questão ainda aberta.
O máximo
que se pode acreditar das recentes pesquisas é que esses genes devem ser
responsáveis por uma pequena porção da variabilidade genética total e que não
apresentam mutações específicas presentes apenas em indivíduos afetados pela esquizofrenia,
mas sim, podem aparecer como variantes comuns encontradas na população geral.
Isso tem
impulsionado diversos autores a propor uma mudança na estratégia a ser
utilizada em futuros estudos de mapeamento genético por associação. De modo
semelhante aos estudos de ligação, estudos do tipo exploração do genoma, também
podem ser realizados pela metodologia de associação.
Devido
aos avanços advindos do projeto Genoma Humano, um grande número de marcadores
têm sido continuamente identificados e em breve haverá marcadores
caracterizados em todos os genes humanos. Além disso, o desenvolvimento de microchips
para a genotipagem oferecerá, em breve, estudos de rastreamento com
considerável poder na detecção de genes que contribuam à variância genética
total da esquizofrenia.
FONTE: Ballone
GJ - Genética da Esquizofrenia- in. PsiqWeb, Internet, disponível em
http://www.psiqweb.med.br, atualizado em 2005
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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