Muito embora os atuais manuais de classificação de doenças mentais
tratem separadamente os quadros ansiosos dos afetivos, pesquisas e autores têm
se preocupado em estabelecer relações entre esses dois estados psíquicos. Kendell
(1983), ao longo de cinco anos de observação constata que o diagnóstico de Depressão
passa para Ansiedade em 2% dos casos e, no sentido contrário, da Ansiedade
para a Depressão em 24% dos casos.
Pode-se constatar também que antigos quadros ansiosos costumam evoluir
no sentido da Depressão (Roth e cols. 1972, 1982). Lesse (1982)
sustenta ainda a ideia da evolução do estresse para Ansiedade e em
seguida para Depressão.
São conhecidos os expressivos sintomas depressivos em doentes com transtornos ansiosos e parece não se justificar, simplesmente, falar em Depressão secundária. Fawcet (1983) encontra sintomas depressivos em 65% dos ansiosos e Roth (1972), detecta em grande número de pacientes, simultaneamente irritabilidade, agorafobia, Ansiedade, culpa e agitação.
O medo, por exemplo, seja de características fóbicas ou não, reflete
sempre uma grande insegurança e pode aparecer tanto nos Transtornos de
Ansiedade quanto nos Transtornos Afetivos de natureza depressiva.
A associação da Depressão com Crises de Pânico foi encontrada, inicialmente, em proporções que variam de 64 a 44% dos casos (Clancy e cols. 1978). Os quadros ansiosos com ou sem Depressão secundária, não diferem do ponto de vista da idade de instalação, duração, tentativas de suicídio, história familiar, para esses dois autores.
O estudo de, Stavrakaki e Vargo (1986), onde são reavaliadas pesquisas dos últimos 15 anos, sugere três tipos de abordagem da questão Ansiedade versus Depressão:
Ansiedade e Depressão diferem qualitativamente;
Ansiedade e Depressão diferem quantitativamente e;
Ansiedade se associa à Depressão.
Ansiedade e Depressão: comorbidade,
causa ou consequência?
Atualmente tem-se enfatizado muito a teoria unitária, pela qual a Ansiedade
e a Depressão seriam duas modalidades sintomáticas da mesma afecção. As
atuais escalas internacionais de Hamilton para avaliação de Depressão e
de Ansiedade, não separaram nitidamente os dois tipos de manifestações.
Outras escalas anteriores também mostravam a mesma indiferenciação entre os
dois quadros emocionais (Johnstone e cols, 1986, Mendels, 1972).
A tendência unitária Ansiedade-Depressão se reforça ainda
na eficácia do tratamento com antidepressivos, tanto para quadros ansiosos,
como é o caso do Pânico, Fobia Social, do Transtorno
Obsessivo-Compulsivo e mesmo da Ansiedade Generalizada, quanto para
os casos de Depressão, com ou sem componente ansioso importante.
O número de autores que não acreditam na Ansiedade e Depressão
como sendo a mesma coisa, aos quais nos juntamos, é expressiva maioria,
entretanto, quase todos reconhecem existir alguma coisa em comum nesses
dois fenômenos. Acreditamos, pois, na necessidade quase imperiosa de um
substrato afetivo e de caráter depressivo para que a ansiedade se manifeste
patologicamente. O mesmo requisito afetivo não se necessita para a ansiedade
normal e fisiológica. Talvez seja por isso que os quadros ansiosos respondem
tão bem à terapêutica antidepressiva.
Causa ou Consequência?
Saber com certeza se a Ansiedade pode ser uma das causas
de Depressão ou se, ao contrário, pode surgir como consequência
desta ou, ainda, se uma nova entidade clínica independente se
constitui quando ambos os fenômenos coexistem num mesmo paciente, tem sido uma
questão aberta a pesquisas e reflexões.
Strian e Klicpera (1984) consideram um quadro unitário de Depressão-Ansiedade
e Clancy e cols (1978) constata que o humor depressivo antecede com frequência
ao primeiro ataque de pânico. Há observações de o Transtorno Ansioso aparecer
em pessoas com caráter predominantemente depressivo (Lader, 1975), e
considera o paciente ansioso como portador de um tipo de Depressão
endógena (Salomon, 1978). Ansiedade e Depressão são cogitadas
também como aspectos diferentes do mesmo Transtorno Afetivo por Downing
e Rikels (1974).
O atual Transtorno Depressivo Persistente (Distimia), com ou sem
a sintomatologia somática, foi cogitado como reflexo de sintomas depressivos
mais francos e profundos, enquanto os quadros ansiosos seriam os casos onde o
afeto depressivo se manifestaria atipicamente (Gersh e Fowles, 1979).
Mineka (1998) estuda a base cognitiva da Ansiedade-Depressão
sob o enfoque da percepção humor-congruente dos estados ansiosos. De fato, a
insegurança típica dos estados ansiosos podem ser melhor entendida à luz de uma
auto-percepção pessimista e de uma representação temerosa da realidade, ambos
de conotação depressiva. Monedero (1973), inclui no capítulo Afetividade,
com igual destaque, as reações vivenciais anormais, depressão, mania e
angústia. Considera a angústia como um temor de algo que vai acontecer e a Ansiedade
como um temor atual, caracterizado pela procura e impaciência apressada.
Nota-se o componente humor-congruente depressivo da Ansiedade.
Há ainda autores que admitem a Depressão como uma complicação frequente
dos transtornos ansiosos ou que os sintomas ansiosos são comuns nas doenças
depressivas primárias (Rodney, 1997). Causa ou consequência? Aceitam o
fato de pacientes com Depressão primária apresentarem estados ansiosos
graves (Cunningham, 1997). A maioria dos autores, entretanto, afirma que
pacientes com pânico primário, com pânico complicado pela Depressão, com
Depressão Primária complicada por pânico ou com Depressão
Primária, oferecem sérias dificuldades clínicas para se delimitar
nitidamente os estados ansiosos e os depressivos.
Uma terceira posição, há tempos cogitada, é a Ansiosa-Depressiva
como uma doença emancipada da Ansiedade Generalizada e da Depressão
Maior (Stavrakaki, 1986). Esta hipótese unitária, mas diferente
daquela que considera Ansiedade e Depressão como faces de uma
mesma doença, também era sustentada por Paykel (1971) e por Downing e
Rikels (1974). Schatzberg e cols (1983) dizem que os pacientes com
quadros mistos de Ansiedade e Depressão, exigem terapias
diferentes dos grupos isolados. Observam esses autores que quando as duas
síndromes coexistem, a evolução é mais crônica, a resposta é menor às terapias
convencionais e o prognóstico é pior.
Sonenreich e cols. (1991) afirmam que Ansiedade
e Depressão combinadas representam um quadro separado, quantitativa e
qualitativamente em muitos aspectos importantes, quer do transtorno ansioso,
quer do transtorno afetivo.
Componente Genético
Geneticamente se constata que pacientes com Depressão Maior
associada ao pânico tinham, entre os parentes de primeiro grau, uma percentagem
muito aumentada de pessoas com Depressão Maior associada a transtornos
ansiosos (fobias, transtorno de pânico, Ansiedade generalizada) e de pessoas
alcoolistas em comparação com os parentes de portadores de Depressão Maior
mas sem distúrbios ansiosos.
A presente observação sugere que a Depressão Maior e o Transtorno
do Pânico podem ter em comum uma diátese subjacente. Entre os pacientes com
Depressão Maior e Ansiedade Generalizada aumenta a frequência de
parentes com Transtorno Ansioso, em comparação com os controles normais.
Mas essa relação não acontece em relação aos pacientes com Depressão Maior
sem ansiedade. A mesma coisa no caso da Depressão Maior associada com
fobias (Sonenreich, Corrêa e Estevão, 1991).
Vários estudos são contraditórios no que diz respeito aos estudos
genéticos dos depressivos e dos ansiosos. Parte desses estudos apontam relações
fenotípicas entre os casos de Ansiedade e os de Depressão, outros
separam a Ansiedade da Depressão e outros ainda, identificam um
subgrupo de Depressão Ansiosa. Para complicar, alguns desses estudos
contestam haver maior número de distúrbios afetivos entre os parentes de
ansiosos do que na população geral (Leckman e cols, 1984).
Segundo Stavrakakis e Vargo, os trabalhos de Koth
identificam mais neuróticos nas famílias dos ansiosos, Valkenburg
identifica mais deprimidos nas famílias dos pacientes com transtornos afetivos
primários e Crowe encontra mais Transtornos do Pânico nas
famílias de pacientes com neurose ansiosa.
Antecedentes Pessoais
Para Raskind e cols (1982), os pacientes com crises de pânico
tiveram uma infância vivida em ambiente mais difícil e, frequentemente,
sofreram mais distúrbios depressivos. Os quadros de Ansiedade de
Separação na Infância aparecem como antecedentes pessoais da Síndrome
do Pânico em trabalhos de Klein (1974). Ele separa tais pacientes daqueles
com Ansiedade Generalizada e Antecipatória, sem ataques de
pânico.
Confirmando o aspecto contraditório das tentativas em diferenciar ou
igualar a Ansiedade à Depressão, Hoehn-Saric (1982), por sua vez,
não constata diferença alguma entre os dois grupos do ponto de vista da
história infantil.
Resposta à Terapêutica
A posição unitária da Ansiedade e Depressão pode ser
defendida pelo fato dos ansiosos respondem muito bem ao tratamento
antidepressivo (Kelly e cols, 1970; Sargant, 1962 in. Kelly).
Alguns autores enfatizam o fato de certos antidepressivos terem melhor efeito
do que os benzodiazepínicos nas depressões e nas ansiedades (Johnstone e
cols, 1986) e é clássico o fato das neuroses fóbicas e obsessivas
responderem à terapia antidepressiva.
As obsessões que respondem à terapia antidepressiva são consideradas
secundárias a um desequilíbrio tímico de natureza depressiva (Duhais,
1984). Angst (1974) constata entre a Depressão e a Ansiedade
uma forte identidade. "Pensamento recente favorece a hipótese de que os
transtornos depressivos e ansiosos têm origem comum", A sobreposição
não se dá apenas nos sintomas depressivos e ansiosos mas, também, através de um
espectro comum de ação dos antidepressivos e ansiolíticos.
Para Stavrakaki e Vargo (1986), a posição unitária entre Ansiedade
e Depressão é baseada na superposição da sintomatologia das duas
síndromes, na falta de estabilidade do diagnóstico clínico entre elas, na
similaridade de pacientes ansiosos com os sem Depressão secundária em
diversas variáveis, na tendência dos pacientes com estados ansiosos prolongados
para desenvolver sintomas depressivos, no fracasso em se achar dimensões
nitidamente separadas de Ansiedade e Depressão pelas escalas de
auto-avaliação e de avaliação e na falta de respostas específicas ao tratamento
medicamentosos.
A constatação do envolvimento dos receptores 5HT (serotonina),
conhecidamente implicados na Depressão, na sintomatologia da Ansiedade
parece ser um importante ponto de partida para a identidade dos dois fenômenos
psíquicos como tendo uma raiz comum (Bromidge e cols, 1998, Kennett e
cols, 1997), seja do ponto de vista etiológico, seja terapêutico.
Apesar de estudos eletroencefalográficos e sonográficos apontarem, na
década passada, diferenças entre os quadros depressivos e ansiosos (Akiskal,
1986), onde a fase REM se instala mais cedo na Depressão que na Ansiedade,
continua havendo uma identidade muito grande entre estes dois estados
emocionais no que diz respeito ao tratamento farmacológico.
O estudo de Kahn e cols (1986), que também separa estados
ansiosos de depressivos com base nas escalas de Hopkins Symptom Checklist,
Hamilton, RDC, Escalas Covi, Raskin, reconhece a superioridade
dos antidepressivos aos ansiolíticos tanto no tratamento da Ansiedade,
quanto da Depressão. Por outro lado, apesar dos estados ansiosos
responderem significativamente aos antidepressivos, da mesma forma com que
respondem aos ansiolíticos benzodiazepínicos, estes últimos não se prestam ao
tratamento dos estados depressivos com eficácia (Cunningham LA, 1997). Kuzel
(1996) também reconhece a eficácia dos benzodiazepínicos para o tratamento da Ansiedade
Aguda mas recomenda antidepressivos para o tratamento dos estados ansiosos de
longa duração.
Conclusão
A revisão sobre esse tema acaba sempre contrapondo trabalhos de autores que defendem três tendências diversas; a unidade dos distúrbios ansiosos e depressivos como sendo o mesmo fenômeno, a dualidade entre esses dois estados afirmando tratar-se de distúrbios diferentes e as formas mistas como uma entidade específica com sintomas depressivos e ansiosos.
A revisão sobre esse tema acaba sempre contrapondo trabalhos de autores que defendem três tendências diversas; a unidade dos distúrbios ansiosos e depressivos como sendo o mesmo fenômeno, a dualidade entre esses dois estados afirmando tratar-se de distúrbios diferentes e as formas mistas como uma entidade específica com sintomas depressivos e ansiosos.
Tais diferenças são, sem dúvida, decorrentes das diversas maneiras de se
conceituar esses estados emocionais e das diversas metodologias dos trabalhos
científicos. As diferenças vão da conceituação semântica, calcada na
multiplicidade de conceitos de Ansiedade e Depressão, até a
interpretação metodológica das observações.
As diferentes pesquisas têm demonstrado não existir até agora uma
posição inequívoca para o problema das relações entre Depressão e Ansiedade.
Diante dessa polêmica vamos encontrar sempre circunstâncias onde estes quadros
se associam.
Embora não possamos saber ainda, com certeza, se Ansiedade e Depressão
são a mesma doença, ao menos tem sido consensual o fato dos antidepressivos
atuarem satisfatoriamente nos quadros ansiosos tanto quanto nos depressivos (Feighner,
1996). Ainda que o termo comorbidade de Ansiedade e Depressão
satisfaça uma postura politicamente correta, a pouca diferença de resultados no
tratamento desses quadros com antidepressivos, notadamente os ISRS, aponta para
uma satisfatória solução clínica (Rodney e cols, 1997, Kuzel RJ,
1996).
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FONTE: Ballone GJ - Depressão e Ansiedade - in. PsiqWeb,
Internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2007.
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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