Houve
época em que a psiquiatria se recusava a discutir, e mesmo observar, sintomas
depressivos em pacientes esquizofrênicos. Dizia-se que a doença se
caracterizava por embotamento afetivo ou aplainamento do humor e ponto final;
era quase proibido ao esquizofrênico esboçar qualquer sintoma depressivo.
Por
várias décadas os sintomas depressivos da esquizofrenia foram menosprezados,
voltando-se quase exclusivamente para o estudo dos sintomas psicóticos.
Na
realidade, os sintomas depressivos são reconhecidos na esquizofrenia desde suas
primeiras descrições (Kraepelin em 1896 e Bleuler em 1911).
As
primeiras observações da doença identificavam uma síndrome melancólica frequente
no seu curso, chegando a considerar-se os sintomas depressivos como parte
inerente e intrínseca do processo esquizofrênico.
O termo Psicose
Esquizoafetiva (Transtorno Esquizoafetivo) foi inicialmente proposto
por Kasanin, em 1933, para os casos que apresentavam uma combinação de sintomas
afetivos e esquizofrênicos.
Para se
retomar o estudo sobre sintomas depressivos no curso da doença
esquizofrênica, foi decisivo a importância que se deu, na década de 1970,
para os quadros de Depressão Pós-Psicótica.
Nessa
época começaram a ser questionados alguns dogmas sobre depressão e esquizofrenia,
como por exemplo, a ideia de que os sintomas depressivos dos pacientes com esquizofrenia
eram restritos ou muito mais frequente no período pós-psicótico, assim como a ideia
de que a ocorrência de sintomas depressivos na esquizofrenia era,
automaticamente, um sinal de bom prognóstico.
Inicialmente
as pesquisas apontavam para a constatação de que os sintomas depressivos eram
mais intensos na fase aguda do episódio psicótico e não no período
pós-psicótico, além disso, que eles tendiam a melhorar de acordo com a
recuperação do paciente Shanfield et al. (1970).
Segundo
McGlashan & Carpenter, a depressão na esquizofrenia
tratava-se de "um quadro fásico de depressão do pensamento e do
comportamento que se seguia ao estado psicótico agudo, onde os sintomas mais
pronunciados de distorção da realidade já remitiram" (Rodrigo Afonseca
Bressan, in: Shirakawa, 1998). Esse quadro depressivo era estável, com duração
variando entre semanas e mais de um ano e o prognóstico era considerado
favorável.
Depois de
muitas pesquisas confirmando a ocorrência de sintomas depressivos durante o
curso da esquizofrenia (Bastos, 1981; Martin et al., 1985; Johnson,
1988; e outros), um conceito novo e brilhante, em relação à Depressão
Pós-Psicótica surgiu. Era a chamada Depressão Revelada. Knights
& Hirsh (44), autores desse termo, achavam que os sintomas depressivos da
esquizofrenia apenas se tornavam visíveis no pós-surto agudo, depois do
abrandamento dos sintomas psicóticos, mas já estavam presentes durante todo o
curso da doença.
De fato,
estudo específico para avaliar a cronologia dos sintomas depressivos nas
diversas fases da esquizofrenia, confirmou que os sintomas depressivos podem
ocorrer em todas as fases da doença e, exatamente o Episódio Psicótico
Agudo é apontado como a fase em que os sintomas depressivos são mais frequentes
(Green et al. 1990). Além disso, outros estudos mostram que os sintomas
depressivos estão entre os sintomas prodrômicos mais frequentes que antecedem a
descompensação psicótica (Donlon & Blaker, 1973; Docherty et al., 1978;
Herz & Meville, 1980).
A
afirmativa duvidosa de que a ocorrência de Depressão Pós-Psicótica
era sinal de bom prognóstico também vem perdendo sustentação progressivamente.
Ao contrário do que se pensava, estudos longitudinais têm considerado a
depressão como um indicador de prognóstico desfavorável (Becker et al., 1985;
Becker, 1988).
Segundo
levantamento bibliográfico feito por Rodrigo Afonseca Bressan (Shirakawa,
1998), a Depressão Pós-Psicótica tem sido relacionada a
hospitalizações mais longas, à pior resposta a medicações, pior desempenho
social, cronicidade, maiores taxas de recaídas e ao suicídio.
Depressão
Pós-Psicótica
O termo Depressão
Pós-Psicótica nasceu das observações de Eissler, em 1951, que descreveu
uma síndrome depressiva que seguia o episódio psicótico agudo. Esse estado
emocional pós-surto agudo era caracterizada por apatia e desinteresse e foi
denominado de mutismo clínico relativo.
A Depressão
Pós-Psicótica tem sido um quadro bastante conhecido, sendo amplamente
utilizado na prática clínica e tendo repercussões nas principais classificações
diagnósticas. Na CID.10, sob o código F20.4, está a Depressão
Pós-Esquizofrênica. Segundo essa classificação, trata-se de um
“Episódio depressivo eventualmente prolongado que ocorre ao fim de uma afecção
esquizofrênica. Ao menos alguns sintomas esquizofrênicos positivos ou negativos
devem ainda estar presentes, mas não dominam mais o quadro clínico.”
Segundo
ainda a CID.10, este tipo de estado depressivo se acompanha de um maior risco
de suicídio e se os sintomas esquizofrênicos ainda estiverem bastante aparentes
e proeminentes, deve-se preferir o diagnóstico de Esquizofrenia Indiferenciada
(F20.3). Como veremos abaixo, a Depressão Pós-Esquizofrênica pode
ser estudada como uma espécie de Depressão Secundária (à esquizofrenia).
Suicídio
e Tentativas de Suicídio
Bleuler
descreveu, na década de 1950, o comportamento suicida como "o mais grave
de todos os sintomas esquizofrênicos". Aceitava-se, até aquele momento,
que aproximadamente 10% dos pacientes com esquizofrenia morrem devido ao
suicídio. Os dados epidemiológicos atualmente aceitos em relação ao suicídio de
pacientes com esquizofrenia, citados por Bressan (in: Shirakawa, 1998)
são os seguintes:
a) de 2%
a 13% de todos os pacientes cometem suicídio
b)
esquizofrênicos têm um risco de 10% a 20% maior que a população geral para
cometer suicídio;
c) o
risco é maior em pacientes do sexo masculino
d) o risco é maior em pacientes
jovens e diminui com a idade.
Entre os
fatores capazes de aumentar o risco de suicídio em pacientes esquizofrênicos
destacam-se: o isolamento social, não ser casado, desempregado, história prévia
de tentativa de suicídio, fortes expectativas sócio-familiares de boa
performance, curso da doença crônico e com muitos surtos agudos, múltiplas
internações, dificuldades no trabalho, história de depressão no passado e,
evidentemente, depressão presente. Este último fator é de maior risco ainda,
quando o sintoma proeminente é humor deprimido persistente e desesperança.
Para os
serviços de saúde mental vale muito, como alerta, saber que grande parte dos
pacientes esquizofrênicos que cometeram suicídio apresentava sintomas
depressivos no último contato com esses serviços. Segundo Itiro Shirakawa
(1987), o período de maior risco de suicídio para os esquizofrênicos é fora do
episódio psicótico agudo.
Quando a
questão em análise é a Tentativa de Suicídio, os números são bem mais
expressivos. Os trabalhos referem taxas entre 18% e 55% de tentativa de
suicídio em pacientes esquizofrênicos, com um valor médio em torno de 30%. A
associação entre sintomas depressivos e tentativas de suicídio em pacientes
esquizofrênicos está entre 35% a 79% dos casos (Roy,1990). Estas proporções são
semelhantes às encontradas na população geral.
Depressão
na Esquizofrenia com Sintomas Psicóticos
Foram as
observações em relação à melhora do quadro depressivo em esquizofrênicos
tratados com antidepressivos ou com antipsicóticos que acabaram sugerindo a
hipótese de que os sintomas depressivos são uma parte integral da
descompensação psicótica (Newcomer, 1990; Leff et al. 1988). Em surto agudo,
50% dos pacientes apresentavam sintomas depressivos concomitantes. Desses,
metade desses melhoraram em 3 semanas e a outra metade continuou deprimida.
Leff (1988) observou que 45% dos esquizofrênicos apresentaram humor deprimido,
o qual regrediu com a melhora dos sintomas psicóticos.
Em geral,
esses sintomas depressivos inerentes ao episódio psicótico agudo, começam no
período pré-surto agudo (fase prodrômica) e intensificam no início da
descompensação psicótica franca. Talvez os sintomas depressivos do episódio
psicótico agudo não sejam tão percebidos porque outros sintomas psicóticos,
como alucinações, delírios, desorganização do pensamento e do comportamento,
sejam muito mais exuberantes.
Depressão
na Esquizofrenia sem Sintomas Psicóticos
Quando a
depressão ocorre na fase de estabilidade da esquizofrenia, isto é, depois de
terem passado os sintomas psicóticos proeminentes, ela pode representar um
quadro afetivo disfórico associado, uma depressão secundária ou um estado de
sofrimento moral.
A Disforia
Aguda se manifesta como uma associação de depressão e ansiedade
simultaneamente. Em geral a Disforia está relacionada a um fator
estressante desencadeante, portanto, tanto pode seguir a um Episódio
Psicótico Agudo e regredir em até 3 semanas. Ou pode, como acontece mais
comumente, anteceder em alguns dias o Episódio Esquizofrênico Agudo.
Para pacientes já diagnosticados como esquizofrênicos, o surgimento de Disforia
deve servir como alerta para a eclosão de um novo surto agudo.
Depois de
um Episódio Esquizofrênico Agudo os pacientes podem, menos frequentemente,
evoluir para um quadro de Depressão Secundária. De fato, é essa Depressão
Secundária que se constitui naquilo que se conhece hoje por Depressão
Pós-Esquizofrênica ou Pós-Psicótica.
Esse tipo
de depressão se assemelha a um episódio depressivo comum, com duração
maior que duas semanas e quadro clínico típico de depressão (humor deprimido,
desesperança, autodepreciação, ideação suicida, apatia, desinteresse, etc.).
Muitas
vezes os sintomas da depressão secundária da esquizofrenia são difíceis de
diferenciar dos sintomas negativos da própria esquizofrenia. Entre os sintomas
capazes de confundir o clínico está a apatia, desinteresse, alteração de sono,
do apetite, a pobreza na socialização, diminuição da concentração e da atenção.
Essa dificuldade de diagnóstico se justifica quando consideramos os sintomas
próprios da esquizofrenia, os quais podem ser: ansiedade, culpa, falta de
energia, perda do interesse no trabalho, diminuição do interesse social,
diminuição da libido, desespero, desesperança, sensação de inutilidade e
ideação suicida.
O Sofrimento
Moral é a terceira possibilidade depressiva na esquizofrenia. Trata-se de
um quadro crônico onde, apesar dos sintomas depressivos serem leves, chamam
atenção os sintomas de desesperança. O que acontece aqui é um grande Sofrimento
Moral (um dos sintomas básicos de depressão – veja).
O Sofrimento
Moral ou, de acordo com outros autores, a Desmoralização Crônica é
um estado de baixíssima autoestima e desesperança grave, como uma resposta a um
problema grave, real e permanente.
Normalmente
o Sofrimento Moral tende a aparecer com mais gravidade quando existe,
por parte do paciente ou dos familiares, uma grande expectativa de boa
performance depois da doença. Aparece também quando o paciente tem uma boa
noção da gravidade de sua doença. Segundo alguns autores, um grande Sofrimento
Moral pode tornar a pessoa bastante incapaz e não haverá boa resposta aos
tratamentos psicofarmacológicos tradicionais para depressão.
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FONTE: Ballone
GJ, Moura EC - Depressão
na Esquizofrenia- in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br,
atualizado em 2007
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