quarta-feira, 31 de outubro de 2012

DEPRESSÃO NA ESQUIZOFRENIA




Houve época em que a psiquiatria se recusava a discutir, e mesmo observar, sintomas depressivos em pacientes esquizofrênicos. Dizia-se que a doença se caracterizava por embotamento afetivo ou aplainamento do humor e ponto final; era quase proibido ao esquizofrênico esboçar qualquer sintoma depressivo.

Por várias décadas os sintomas depressivos da esquizofrenia foram menosprezados, voltando-se quase exclusivamente para o estudo dos sintomas psicóticos.
Na realidade, os sintomas depressivos são reconhecidos na esquizofrenia desde suas primeiras descrições (Kraepelin em 1896 e Bleuler em 1911).

As primeiras observações da doença identificavam uma síndrome melancólica frequente no seu curso, chegando a considerar-se os sintomas depressivos como parte inerente e intrínseca do processo esquizofrênico.

O termo Psicose Esquizoafetiva (Transtorno Esquizoafetivo) foi inicialmente proposto por Kasanin, em 1933, para os casos que apresentavam uma combinação de sintomas afetivos e esquizofrênicos.

Para se retomar o estudo sobre sintomas depressivos no curso da doença esquizofrênica, foi decisivo a importância que se deu, na década de 1970, para os quadros de Depressão Pós-Psicótica.

Nessa época começaram a ser questionados alguns dogmas sobre depressão e esquizofrenia, como por exemplo, a ideia de que os sintomas depressivos dos pacientes com esquizofrenia eram restritos ou muito mais frequente no período pós-psicótico, assim como a ideia de que a ocorrência de sintomas depressivos na esquizofrenia era, automaticamente, um sinal de bom prognóstico.

Inicialmente as pesquisas apontavam para a constatação de que os sintomas depressivos eram mais intensos na fase aguda do episódio psicótico e não no período pós-psicótico, além disso, que eles tendiam a melhorar de acordo com a recuperação do paciente Shanfield et al. (1970).

Segundo McGlashan & Carpenter, a depressão na esquizofrenia tratava-se de "um quadro fásico de depressão do pensamento e do comportamento que se seguia ao estado psicótico agudo, onde os sintomas mais pronunciados de distorção da realidade já remitiram" (Rodrigo Afonseca Bressan, in: Shirakawa, 1998). Esse quadro depressivo era estável, com duração variando entre semanas e mais de um ano e o prognóstico era considerado favorável.

Depois de muitas pesquisas confirmando a ocorrência de sintomas depressivos durante o curso da esquizofrenia (Bastos, 1981; Martin et al., 1985; Johnson, 1988; e outros), um conceito novo e brilhante, em relação à Depressão Pós-Psicótica surgiu. Era a chamada Depressão Revelada. Knights & Hirsh (44), autores desse termo, achavam que os sintomas depressivos da esquizofrenia apenas se tornavam visíveis no pós-surto agudo, depois do abrandamento dos sintomas psicóticos, mas já estavam presentes durante todo o curso da doença.

De fato, estudo específico para avaliar a cronologia dos sintomas depressivos nas diversas fases da esquizofrenia, confirmou que os sintomas depressivos podem ocorrer em todas as fases da doença e, exatamente o Episódio Psicótico Agudo é apontado como a fase em que os sintomas depressivos são mais frequentes (Green et al. 1990). Além disso, outros estudos mostram que os sintomas depressivos estão entre os sintomas prodrômicos mais frequentes que antecedem a descompensação psicótica (Donlon & Blaker, 1973; Docherty et al., 1978; Herz & Meville, 1980).

A afirmativa duvidosa de que a ocorrência de Depressão Pós-Psicótica era sinal de bom prognóstico também vem perdendo sustentação progressivamente. Ao contrário do que se pensava, estudos longitudinais têm considerado a depressão como um indicador de prognóstico desfavorável (Becker et al., 1985; Becker, 1988).

Segundo levantamento bibliográfico feito por Rodrigo Afonseca Bressan (Shirakawa, 1998), a Depressão Pós-Psicótica tem sido relacionada a hospitalizações mais longas, à pior resposta a medicações, pior desempenho social, cronicidade, maiores taxas de recaídas e ao suicídio.

Depressão Pós-Psicótica
O termo Depressão Pós-Psicótica nasceu das observações de Eissler, em 1951, que descreveu uma síndrome depressiva que seguia o episódio psicótico agudo. Esse estado emocional pós-surto agudo era caracterizada por apatia e desinteresse e foi denominado de mutismo clínico relativo.

A Depressão Pós-Psicótica tem sido um quadro bastante conhecido, sendo amplamente utilizado na prática clínica e tendo repercussões nas principais classificações diagnósticas. Na CID.10, sob o código F20.4, está a Depressão Pós-Esquizofrênica. Segundo essa classificação, trata-se de um “Episódio depressivo eventualmente prolongado que ocorre ao fim de uma afecção esquizofrênica. Ao menos alguns sintomas esquizofrênicos positivos ou negativos devem ainda estar presentes, mas não dominam mais o quadro clínico.”

Segundo ainda a CID.10, este tipo de estado depressivo se acompanha de um maior risco de suicídio e se os sintomas esquizofrênicos ainda estiverem bastante aparentes e proeminentes, deve-se preferir o diagnóstico de Esquizofrenia Indiferenciada (F20.3). Como veremos abaixo, a Depressão Pós-Esquizofrênica pode ser estudada como uma espécie de Depressão Secundária (à esquizofrenia).

Suicídio e Tentativas de Suicídio
Bleuler descreveu, na década de 1950, o comportamento suicida como "o mais grave de todos os sintomas esquizofrênicos". Aceitava-se, até aquele momento, que aproximadamente 10% dos pacientes com esquizofrenia morrem devido ao suicídio. Os dados epidemiológicos atualmente aceitos em relação ao suicídio de pacientes com esquizofrenia, citados por Bressan (in: Shirakawa, 1998) são os seguintes: 

a) de 2% a 13% de todos os pacientes cometem suicídio
b) esquizofrênicos têm um risco de 10% a 20% maior que a população geral para cometer suicídio;
c) o risco é maior em pacientes do sexo masculino
d) o risco é maior em pacientes jovens e diminui com a idade. 
Entre os fatores capazes de aumentar o risco de suicídio em pacientes esquizofrênicos destacam-se: o isolamento social, não ser casado, desempregado, história prévia de tentativa de suicídio, fortes expectativas sócio-familiares de boa performance, curso da doença crônico e com muitos surtos agudos, múltiplas internações, dificuldades no trabalho, história de depressão no passado e, evidentemente, depressão presente. Este último fator é de maior risco ainda, quando o sintoma proeminente é humor deprimido persistente e desesperança.

Para os serviços de saúde mental vale muito, como alerta, saber que grande parte dos pacientes esquizofrênicos que cometeram suicídio apresentava sintomas depressivos no último contato com esses serviços. Segundo Itiro Shirakawa (1987), o período de maior risco de suicídio para os esquizofrênicos é fora do episódio psicótico agudo.

Quando a questão em análise é a Tentativa de Suicídio, os números são bem mais expressivos. Os trabalhos referem taxas entre 18% e 55% de tentativa de suicídio em pacientes esquizofrênicos, com um valor médio em torno de 30%. A associação entre sintomas depressivos e tentativas de suicídio em pacientes esquizofrênicos está entre 35% a 79% dos casos (Roy,1990). Estas proporções são semelhantes às encontradas na população geral.

Depressão na Esquizofrenia com Sintomas Psicóticos
Foram as observações em relação à melhora do quadro depressivo em esquizofrênicos tratados com antidepressivos ou com antipsicóticos que acabaram sugerindo a hipótese de que os sintomas depressivos são uma parte integral da descompensação psicótica (Newcomer, 1990; Leff et al. 1988). Em surto agudo, 50% dos pacientes apresentavam sintomas depressivos concomitantes. Desses, metade desses melhoraram em 3 semanas e a outra metade continuou deprimida. Leff (1988) observou que 45% dos esquizofrênicos apresentaram humor deprimido, o qual regrediu com a melhora dos sintomas psicóticos.

Em geral, esses sintomas depressivos inerentes ao episódio psicótico agudo, começam no período pré-surto agudo (fase prodrômica) e intensificam no início da descompensação psicótica franca. Talvez os sintomas depressivos do episódio psicótico agudo não sejam tão percebidos porque outros sintomas psicóticos, como alucinações, delírios, desorganização do pensamento e do comportamento, sejam muito mais exuberantes.

Depressão na Esquizofrenia sem Sintomas Psicóticos
Quando a depressão ocorre na fase de estabilidade da esquizofrenia, isto é, depois de terem passado os sintomas psicóticos proeminentes, ela pode representar um quadro afetivo disfórico associado, uma depressão secundária ou um estado de sofrimento moral.

A Disforia Aguda se manifesta como uma associação de depressão e ansiedade simultaneamente. Em geral a Disforia está relacionada a um fator estressante desencadeante, portanto, tanto pode seguir a um Episódio Psicótico Agudo e regredir em até 3 semanas. Ou pode, como acontece mais comumente, anteceder em alguns dias o Episódio Esquizofrênico Agudo. Para pacientes já diagnosticados como esquizofrênicos, o surgimento de Disforia deve servir como alerta para a eclosão de um novo surto agudo.

Depois de um Episódio Esquizofrênico Agudo os pacientes podem, menos frequentemente, evoluir para um quadro de Depressão Secundária. De fato, é essa Depressão Secundária que se constitui naquilo que se conhece hoje por Depressão Pós-Esquizofrênica ou Pós-Psicótica.

Esse tipo de depressão se assemelha a um episódio depressivo comum, com duração maior que duas semanas e quadro clínico típico de depressão (humor deprimido, desesperança, autodepreciação, ideação suicida, apatia, desinteresse, etc.).

Muitas vezes os sintomas da depressão secundária da esquizofrenia são difíceis de diferenciar dos sintomas negativos da própria esquizofrenia. Entre os sintomas capazes de confundir o clínico está a apatia, desinteresse, alteração de sono, do apetite, a pobreza na socialização, diminuição da concentração e da atenção. Essa dificuldade de diagnóstico se justifica quando consideramos os sintomas próprios da esquizofrenia, os quais podem ser: ansiedade, culpa, falta de energia, perda do interesse no trabalho, diminuição do interesse social, diminuição da libido, desespero, desesperança, sensação de inutilidade e ideação suicida.

O Sofrimento Moral é a terceira possibilidade depressiva na esquizofrenia. Trata-se de um quadro crônico onde, apesar dos sintomas depressivos serem leves, chamam atenção os sintomas de desesperança. O que acontece aqui é um grande Sofrimento Moral (um dos sintomas básicos de depressão – veja).

O Sofrimento Moral ou, de acordo com outros autores, a Desmoralização Crônica é um estado de baixíssima autoestima e desesperança grave, como uma resposta a um problema grave, real e permanente.

Normalmente o Sofrimento Moral tende a aparecer com mais gravidade quando existe, por parte do paciente ou dos familiares, uma grande expectativa de boa performance depois da doença. Aparece também quando o paciente tem uma boa noção da gravidade de sua doença. Segundo alguns autores, um grande Sofrimento Moral pode tornar a pessoa bastante incapaz e não haverá boa resposta aos tratamentos psicofarmacológicos tradicionais para depressão.




Bibliografia do tema Esquizofrenia
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FONTE: Ballone GJ, Moura EC - Depressão na Esquizofrenia- in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, atualizado em 2007



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