Sou surdo, tenho 28 anos, nasci em Quixeramobim/CE, já concluí dois cursos superiores: Bacharelado em Geografia pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA e Letras Libras pela Universidade Federal do Ceará, pólo da Universidade Federal de Santa Catarina.
Nos meus primeiros anos escolares, estudei numa escola de surdos onde o método era ensinar a falar, (oralismo), muito boa pelo compromisso com o trabalho e a organização; no entanto, não pude avançar conforme minha vontade e possibilidades. Aos 12 anos fui para uma escola inclusiva, éramos 02 a 03 surdos em salas de 20 a 30 alunos ouvintes. Foi muito difícil, perdi o contato com meus colegas surdos e não conseguia ter amigos ouvintes e nem entender os conteúdos escolares, pela falta da comunicação. Precisava da ajuda da minha mãe, que em casa, tentava me ensinar usando sinais. Lembro que nos primeiros dias de aula havia aproximação e curiosidade dos “colegas”, depois cada um se relacionava com seus pares e nós surdos ficávamos meio perdidos, isoladas.
Nesta época eu já sabia Libras que aprendi na convivência com meus irmãos, (sou o 3° de quatro irmãos surdos), e com meus amigos na associação dos surdos. Sempre fui muito curioso, gostava de estudar, de conhecer as coisas e depois de algumas vivências, de conhecer a importância da língua de sinais para o conhecimento e desenvolvimento dos surdos, percebi que numa escola só de surdos onde a língua fluente fosse a LIBRAS eu poderia aprender mais, me sentir integrado e feliz. Procurei na internet, conhecer algumas escolas que atendessem às minhas necessidades. Com o incondicional apoio da minha família, fui para Porto Alegre/RS, fazer o ensino médio numa escola só para surdos, conforme eu sonhava.
Foi maravilhoso, as salas de aula nesta escola são temáticas. Quando entrei na sala de Geografia, minha mãe diz que meus olhos brilharam. Senti-me muito feliz. Todos na escola falavam Libras. Foi um enorme crescimento pra mim. Terminei o ensino médio e em seguida ingressei na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, em Canoas/RS, onde cursei bacharelado em Geografia.
Nesta etapa fiquei em sala inclusiva com apoio de intérprete fluente em Libras. Como já dominava essa língua não tive dificuldades em acompanhar as disciplinas. Conclui o curso no período normal (08 semestres), em seguida, fiz concurso para professor em Caxias do Sul e fui aprovado. Enquanto aguardava ser chamado, resolvi viajar à Europa na busca de conhecer outras realidades, visitei 12 países, somente usando a Língua de Sinais Internacional e o inglês escrito, na comunicação, não tive dificuldades. Fiquei quatro meses na Dinamarca onde fiz um curso de Liderança Mundial de Jovens Surdos, foi uma experiência fantástica, enriquecedora; éramos 14 jovens cada um de um país e em pouco tempo tivemos que aprender as diferentes línguas de sinais. Aprendi também, inglês e espanhol escrito.
Em 2006, após a oficialização da Libras como língua natural dos surdos, o Governo Federal, através do MEC implantou o curso de Letras Libras para a formação de professores surdos e intérpretes de Libras na Universidade Federal de Santa Catarina. Ingressei nesse curso. Ano passado, cansado de morar sozinho, retornei a Fortaleza e transferi o curso de Letras Libras para a Universidade Federal do Ceará. Colei grau no início deste ano, juntamente com 32 colegas surdos. Com este depoimento, quero mostrar que nós surdos não precisamos estudar em escola inclusiva para ser integrado socialmente. Precisamos sim, que entendam que somos capazes, que podemos produzir e ser cidadãos.
Nós surdos formados, esperávamos fazer concurso e atuarmos como professores de surdos, no entanto, fomos surpreendidos com a determinação do MEC em matricular as pessoas com necessidades especiais nas escolas regulares, nós formandos, estamos sem perspectivas de trabalho e os surdos perdidos nas escolas “inclusivas.” Não somos contra a política de inclusão, mas o sistema de ensino no país que não está preparado para lidar com as diferenças.
Portanto, peço aos nossos governantes que procurem ouvir os surdos e revejam esse processo de inclusão imposta pelo MEC e que aqui está sendo implantado sem as condições. Sem professores e interpretes de libras, principalmente no interior do Estado. Não posso me calar diante dessa situação. Temos uma língua diferente, a língua de sinais, que não tem como desenvolvê-la na convivência com pessoas que falam português. Não é isso que nós surdos precisamos e queremos.
- Queremos o direito de ser surdo: ser respeitado pela sociedade pela singularidade lingüística e cultural.
- Queremos o direito de uma educação diferenciada, pautada pelo uso da língua de sinais e o aprendizado da língua portuguesa como segunda língua, (escola bilíngüe).
- Queremos a formação dos próprios surdos para atuar como docentes, por meio de concurso que nos dêem estabilidade.
- Queremos o direito de ser uma comunidade respeitada socialmente deixando de ser discriminada e taxada como queto, segregação. Para mim , segregar é colocar em escolas sem comunicação, sem entender o que conversam e falam na sala.
- Queremos o direito de escolher em que escola estudar.
Concluo minhas palavras com um trecho da seguinte poesia:
“Recuso-me a ser considerada especial, deficiente. Não sou. Sou surdo. Para mim a língua de sinais corresponde a minha voz; meus olhos são meus ouvidos. Sinceramente nada me falta. É a sociedade que me torna excepcional.” (Vôo da Gaivota, Emanuelle Laborrit).
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