por ADRIANA RAMOS SILVA GÓES
Resumo
O presente artigo tem como objetivo principal discutir a presença do
intérprete de LIBRAS nas escolas como parte da efetiva inclusão
educacional dos alunos surdos que utilizam a Língua Brasileira de
Sinais. Identificar aspectos importantes da formação e condizentes com a
função desse profissional em sala de aula, a fim de verificar
parâmetros qualitativos na relação professor – aluno surdo – intérprete.
Por fim, ciente da importância desse profissional para a educação
inclusiva, com base nas Leis que possuem relação com as políticas de
educação de surdos e dos estudos de Masutti (2007), Rosa (2005), Quadros
(2004), entre outros, este trabalho pretende confrontar axiomas do
imaginário e do real relacionados à função interpretativa, para assim
inferir alguns dos princípios básicos dessa atuação.
Palavras-chave: Inclusão. Educação de surdos. Intérprete de LIBRAS.
Introdução
Um dos maiores desafios da atualidade em relação à educação nacional
se refere ao crescente estabelecimento da inclusão de alunos com
necessidades especiais nas escolas regulares de ensino. O escopo dessa
missão requer muito mais do que a inclusão física desses sujeitos no
espaço escolar, pois esta ação isolada não assegura ao discente uma
autêntica inserção no processo de escolarização. Destacamos nesse
contexto a singularidade do aluno surdo que faz uso da Língua Brasileira
de Sinais – LIBRAS como seu principal meio de reflexão e expressão.
Certamente as conquistas legais da comunidade surda – que em 2002,
por meio da Lei nº 10.436 teve sua língua reconhecida e, em 2005, pelo
Decreto nº 5.626, garantiu, dentre outros avanços, uma educação bilíngue
(língua brasileira de sinais e língua portuguesa escrita), além da
presença de intérprete na sala de aula – serviram como um propulsor para
o reconhecimento da profissão de intérprete da Língua Brasileira de
Sinais no cenário nacional.
A profissão de Tradutor e Intérprete da LIBRAS foi reconhecida no dia
1º de setembro de 2010 pela Lei nº 12.319. O recente ato vem suscitando
novas discussões acerca dos parâmetros para o exercício de tal função,
como a formação, atuação, sindicalização e valorização dessa atividade,
tendo em vista que o intérprete:
[...] processa a
informação dada na língua fonte e faz escolhas lexicais, estruturais,
semânticas e pragmáticas na língua alvo que devem se aproximar o mais
apropriadamente possível da informação dada na língua fonte. Assim
sendo, o intérprete também precisa ter conhecimento técnico para que
suas escolhas sejam apropriadas tecnicamente. Portanto, o ato de
interpretar envolve processos altamente complexos. (Quadros, 2004, p.27).
De acordo com Quadros (2004) a área de interpretação mais requisitada
hoje é a educação. Segundo texto disponível no site oficial da
Secretaria de Educação Estadual do Rio de Janeiro (SEEDUC), com o
objetivo de promover a inclusão dos alunos surdos, a rede estadual de
ensino conta atualmente com um total de 327 intérpretes de LIBRAS. Além
desses, devemos lembrar também dos que atuam em outras esferas
educacionais ou exercem sua função em instituições educacionais
privadas.
1. Entre o Imaginário e o Real da Função Interpretativa
Tendo em vista que no panorama educacional brasileiro nunca se
discutiu tanto a respeito do profissional intérprete de LIBRAS como
agora, são crescentes as pesquisas e os artigos desenvolvidos com base
nessa temática. Entretanto, a atuação do intérprete de LIBRAS, por
vezes, ainda desperta um misto de admiração e animosidade, fruto do
desconhecimento de seu verdadeiro ofício.
Diferentes são os questionamentos em relação à formação e função do
intérprete no momento em que este é inserido na escola. Alguns acreditam
que o intérprete atuará como um professor particular dos alunos surdos,
já outros indagam a respeito da neutralidade de sua tradução, bem como
do seu conhecimento na área específica a ser traduzida. Primeiramente, é
preciso desmistificar a imagem desse profissional como sendo um herói
ou um vilão no cenário escolar.
Acima de tudo, quando falamos de tradução e interpretação falamos de,
no mínimo, dois processos linguísticos e culturais particulares, isto
é, o da língua fonte e o da língua alvo. O intérprete de LIBRAS-Língua
Portuguesa será, sobretudo, um conhecedor profundo das duas línguas em
uso, com suas prerrogativas culturais, e com competência profissional na
área de tradução e interpretação. Essa competência está intrinsecamente
relacionada a uma capacidade de compreensão e adequação discursiva.
Segundo Rosa (2005, p. 131):
Num sentido
mais restrito, os conhecimentos adquiridos pelo intérprete (ou a sua
cultura) lhe permitem selecionar alternativas translatórias, nos casos
em que o contexto lingüístico e o contexto situacional não sejam
suficientes, porque, no ato tradutório, são atualizados horizontes de
natureza ideológica, lógica, emocional e textual.
O intérprete de LIBRAS tem a obrigação de exercer sua profissão com o
máximo de qualidade e responsabilidade, sabendo que dela depende a
contribuição para a plena garantia de comunicação, acesso à informação e
educação de uma pessoa. Todavia, sua inserção no espaço escolar não
pode ser vista como uma panaceia. Lacerda (2002), refletindo sobre sua
pesquisa, afirma que “[a] presença do intérprete em sala de aula e o uso
da língua de sinais não garantem que as condições específicas de surdez
sejam contempladas e respeitadas nas atividades pedagógicas”.
É preciso que professores e demais comunidade escolar estejam aptos a
receber os alunos surdos de modo a efetivar sua inclusão, ou seja, é
necessário que além de contar com a presença de intérpretes a escola
desenvolva um Projeto Político Pedagógico adequado a esta nova realidade
inclusiva, adaptando seu currículo, repensando sua metodologia de
ensino, seu sistema de avaliação e capacitando seus profissionais.
Sendo assim, o intérprete atuará como um profissional aliado no
processo de ensinoaprendizagem dos alunos surdos, agindo diretamente no
campo da tradução/interpretação dos discursos elaborados entre
educadores e educandos, seja este direcionado de ouvinte para surdo ou
de surdo para ouvinte. Para Masutti (2007) o trabalho do intérprete de
LIBRAS fundamenta-se na incansável e dinâmica busca pela equivalência
entre o que se organiza como material visual (línguas de sinais) e o que
se organiza como material fonético (línguas orais).
2. Formação do Profissional Intérprete
Apesar de ser tão recente a legislação que reconhece tal profissão, a
atuação do intérprete no Brasil teve seu início registrado nos anos 80,
embora na época descrita como uma atividade voluntária (QUADROS, 2004).
É inegável que os anos de experiência proporcionaram aos realizadores
desse ofício a construção empírica de paradigmas importantes para o
processo de sua profissionalização.
Segundo a legislação vigente, a formação do tradutor e intérprete de
LIBRAS, em nível médio, deve ser realizada por meio de cursos de
educação profissional reconhecidos pelo sistema que os credenciou;
cursos de extensão universitária; e cursos de formação continuada
promovidos por instituições de ensino superior e instituições
credenciadas por Secretarias de Educação ou por intermédio de
organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, que
tenham o seu certificado convalidado por uma das Secretarias de
Educação. Não podemos, entretanto, suprimir o Decreto nº 5.626/05 que
antecedendo a essa lei preconizou a formação desse profissional em nível
superior, embora não invalide a formação em nível médio por considerar
as amplas possibilidades de atuação deste profissional.
Hoje, no Brasil, a formação do intérprete de língua de sinais já tem
ocorrido tanto em nível médio quanto por meio de curso superior em
formato de Graduação ou Pós-Graduação Lato Sensu. Como exemplo de
iniciativa governamental do modelo proposto em nível superior citamos o
curso de Bacharelado em Letras-Libras, oferecido pela Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC, e o curso de Especialização em LIBRAS:
Ensino, Tradução e Interpretação, promovido pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ. Entretanto, se pensarmos em escala nacional,
esse tipo de curso ainda é muito escasso.
Vale ressaltar que um curso de formação de intérprete difere de um
curso de LIBRAS comum. Em geral, os participantes já possuem um bom
nível de fluência da língua brasileira de sinais. Durante o curso, é
esperado que o profissional em formação aprofunde seu conhecimento
teórico de diversas temáticas relacionadas à LIBRAS, além de atingir uma
maior fluência nas duas modalidades linguísticas em questão e
desenvolver técnicas de tradução/interpretação.
Ademais, em 2005, também por força do Decreto nº 5.626, foi criado um
exame reconhecido pelo Ministério da Educação – MEC como PROLIBRAS que
avalia a proficiência em LIBRAS. Este exame possui autoridade para
certificar em território nacional a atuação de novos profissionais, a
fim de garantir, em caráter emergencial, o cumprimento legal da
disponibilização de intérpretes como parte da efetiva inclusão social
das pessoas surdas. Validando, ao mesmo tempo, o trabalho de muitos que
pelo envolvimento com a comunidade surda, busca autônoma por
conhecimento e larga experiência de interpretação atingiram know how na profissão. Tal exame anual é previsto como medida temporária e seu vigor será até o dia 22 de dezembro de 2015.
Notoriamente é preciso ainda muito investimento na profissionalização
e, em seguida, na especialização do intérprete de LIBRAS. Devemos
discutir, inclusive, a respeito da implementação de formações
específicas de acordo com a área de atuação, possibilitando, deste modo,
uma melhor qualidade no processo de tradução e interpretação deste
profissional. Contudo, por ser tão extenso, este é um assunto relevante
para discussões posteriores.
3. Atuação do Intérprete Educacional na Inclusão
Embora ainda não haja distinção formal entre as áreas de atuação dos
intérpretes da LIBRAS, a categoria vem progressivamente distinguindo sua
atuação de acordo com a formação, experiência, afinidade e conhecimento
da área onde atua. É importante destacar que a natureza de qualquer
profissão está intimamente relacionada ao campo onde ela se dá, pois as
inferências desenvolvidas e as necessidades ocasionadas pelo cotidiano
são significativas e inegáveis. Para Quadros (2004, p. 35):
Tal distinção
contribui para o esmero profissional, uma vez que é fato a
impossibilidade de uma pessoa dominar todos os conhecimentos existentes
no mundo, daí a busca pela especialização por áreas de atuação por parte
de quem exerce esta profissão.
Pode-se afirmar que a presença do profissional intérprete de LIBRAS
nas escolas com matrícula de alunos surdos passou a ser obrigatória no
ano de 2006 e sua atuação está diretamente ligada ao processo de
tradução e interpretação da LIBRAS-Língua Portuguesa. Todavia, para
alguns profissionais da educação, pensar na presença de um intérprete na
escola, e principalmente em sala de aula, ainda é motivo de
inquietação.
É importante esclarecer que a atuação do profissional intérprete,
quando na esfera educacional, é técnica e pedagógica, mas a sua ação
pedagógica é pautada no processo de tradução e não no de ensino como
alguns imaginam.
Segundo o supracitado Decreto nº 5.626/05, a função do intérprete é
viabilizar ao aluno surdo o acesso aos conteúdos curriculares, em todas
as atividades didático-pedagógicas, e agir como apoio a acessibilidade
aos serviços e às atividades da instituição de ensino. Além disso, a Lei
nº 12.319/10 ainda ressalva que:
Art. 7º O
intérprete deve exercer sua profissão com rigor técnico, zelando pelos
valores éticos a ela inerentes, pelo respeito à pessoa humana e à
cultura do surdo e, em especial:
I – pela honestidade e discrição, protegendo o direito de sigilo da informação recebida;
II – pela atuação livre de preconceito de origem, raça, credo religioso, idade, sexo ou orientação sexual ou gênero;
III – pela imparcialidade e fidelidade aos conteúdos que lhe couber traduzir;
IV – pelas postura e conduta adequadas aos ambientes que frequentar por causa do exercício profissional;
V – pela
solidariedade e consciência de que o direito de expressão é um direito
social, independentemente da condição social e econômica daqueles que
dele necessitem;
VI – pelo conhecimento das especificidades da comunidade surda.
Almejando o melhor aproveitamento do aluno, é fundamental que
professor e intérprete desenvolvam uma parceria de trabalho. O
intérprete poderá se preparar melhor se os temas discutidos em sala
forem anteriormente debatidos entre eles e, nessa interação, o
intérprete também poderá contribuir com o professor ao fazer
comentários específicos relacionados à linguagem da criança, à
interpretação em si e ao processo de interpretação quando estes forem
pertinentes para o processo de ensino-aprendizagem (QUADROS, 2004,
p. 62). Esse movimento dialético abre espaço para reflexão da práxis o
que, por certo, a tornará mais consciente e eficaz.
Conclusão
Uma das ações primordiais para se garantir ao sujeito surdo o direito
ao acesso aos conhecimentos compartilhados no ambiente educacional é a
inserção do profissional tradutor e intérprete de LIBRAS-Língua
Portuguesa. Possibilitando assim respeito à singularidade linguística
desse aluno, uma vez que, diferente dos outros tipos de necessidades
especiais, a surdez requer adaptações que vão muito além das de ordem
espacial e material, por estar essencialmente relacionada a uma questão
linguística.
No processo de inclusão escolar, o intérprete educacional passa a ser
um aliado para a efetivação desse ideal em relação aos alunos surdos,
este profissional deve possuir conhecimentos específicos da área onde
atua, além de competência para realizar a tradução/interpretação das
duas línguas em questão e sua atuação deve seguir o rigor da ética
profissional. Contudo, apenas a inserção do intérprete não garantirá a
plena inclusão e desenvolvimento desses agentes, é preciso que toda a
comunidade escolar se empenhe neste objetivo.
Por fim, ter em mente a importância da LIBRAS para o indivíduo surdo é
permitir que este desenvolva a sua identidade por completo e, enquanto
cidadão, atinja a real inclusão de que tanto falamos. Deste modo,
garantir ao Surdo acesso à escolarização pela presença de intérprete nas
escolas, respeitando assim a sua língua, é mais do que uma questão de
legalidade e sim de legitimidade!
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010. Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Brasília, 2010.
_______. Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a
Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, Dispõe sobre a Língua Brasileira
de Sinais – Libras. Brasília, 2005.
_______. Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências. Brasília, 2002.
LACERDA, C.B.F. O Intérprete educacional de língua de sinais no Ensino Fundamental: refletindo sobre limites e possibilidades.
In: Letramento e Minorias. LODI, A. C. B.; HARRISON, K. M. P.; CAMPOS,
S. R. L. e TESKE, O. (Org.). Porto Alegre: Mediação, 2002.
MASUTTI, M. L. Tradução cultural: desconstruções logofonocêntricas em zonas de contato entre surdos e ouvintes. Tese de Doutorado em Literatura, UFSC, 2007.
QUADROS, R. M. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa. Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos. Brasília: MEC/ SEESP, 2004.
ROSA, A. S. Entre a visibilidade da tradução da língua de sinais e a invisibilidade da tarefa do intérprete. Petrópolis/RJ: Editora Arara Azul, 2005.
SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação. Secretaria de Educação Investe na Educação Especial no Estado. Disponível em: . Acesso em: 24 de agosto de 2011.
Nota: artigo publicado originalmente nos Anais do X
Congresso Internacional e XVI Seminário Nacional do INES ocorrido em
setembro de 2011, após ser apresentado no evento sob a forma de palestra
no Painel Internacional “Atuação do Intérprete de LIBRAS”.
FONTE: http://editora-arara-azul.com.br/
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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