Por CLÉLIA REGINA RAMOS
“Tecnologia
Assistiva é uma área do conhecimento, de característica
interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias,
estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a
funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com
deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.” (CORDE –
Comitê de Ajudas Técnicas – ATA VII, de 14 de dezembro de 2007).
Ao analisarmos o conceito de Tecnologia Assistiva (de agora em diante
T.A.) para surdos é importante, inicialmente, revermos os conceitos
“surdo” e “surdez”.
Podemos pensar em uma primeira e óbvia definição, por muitos chamada
de “definição médica da surdez”, que leva em conta a existência de algum
tipo de problema físico ou psicológico (raríssimo) impedindo que a
pessoa ouça sons delimitados por um padrão aceito internacionalmente:
- Deficiência Auditiva Leve: Perdas entre 20 e 40 dB
- Deficiência Auditiva Moderada: Perdas entre 40 e 60 dB
- Deficiência Auditiva Severa: Perdas entre 60 e 80 dB
- Deficiência Auditiva Profunda: Perdas acima de 80 dB
Temos, então, a definição de um espectro que vai desde uma
deficiência auditiva leve, passando por moderada, severa e chegando até a
deficiência profunda. As pessoas com esta deficiência seriam definidas
assim como Hipoacúsicas (termo pouco utilizado no Brasil) ou Deficientes
Auditivas, ou Surdas.
Podemos utilizar, também, uma definição mais abrangente e cada vez
mais aceita como padrão: qualquer pessoa com deficiência auditiva que
tenha problemas de comunicação expressivos em sua vida diária será
definida como “pessoa com surdez” ou simplesmente “surdo(a)”. Esta será
a terminologia por nós utilizada neste artigo.
Talvez o mais antigo produto de T.A. para os surdos, pensando-se sob o
ponto de vista médico, sejam os aparelhos de amplificação sonora.
Chifres de animais, folhas de plantas, objetos de bronze e outros
apetrechos com o formato de corneta foram utilizados desde a
pré-história até meados do século XIX com o objetivo de ajudar na
amplificação sonora e minimizar as perdas auditivas. A partir dos anos
de 1800 o desenvolvimento científico-tecnológico permitiu a utilização
de recursos mais sofisticados como a transmissão de impulsos
eletromagnéticos e outros recursos, dando origem ao que hoje conhecemos
como “próteses auditivas”.
Já no século XX surgiram os aparelhos com transistores e atualmente a
tecnologia digital trouxe para os usuários desses produtos a garantia
de resultados mais satisfatórios em termos de amplificação sonora.
Ainda nessa linha de busca de retificação, ou correção, da perda
auditiva, desde os anos de 1930 pesquisadores se dedicam ao popularmente
chamado “implante coclear” (uma espécie de aparelho de amplificação
sonora implantado diretamente na cabeça do indivíduo, mas que ainda
necessita de um aparelho receptor externo para captação dos sons) que
pode atender aos portadores de alguns tipos de deficiência auditiva (mas
não todos) e atualmente vem encontrando repercussão favorável entre
pacientes ensurdecidos. Vem sendo utilizada até mesmo para algumas
crianças nascidas com surdez profunda.
Outros exemplos clássicos de T.A. para surdos são os produtos que
utilizam luzes ou vibração em apoio a aparelhos que fazem uso de som
como campainhas, despertadores e outros. Hoje corriqueiros e
relativamente de baixo custo, já tiveram soluções simples e criativas no
passado, como um caso a nós relatado pela professora Lucinda Ferreira
Brito (primeira linguista brasileira a pesquisar a Língua Brasileira de
Sinais). Segundo ela, em visita a uma cidade do interior de São Paulo,
soube do caso de um surdo que morava sozinho e era despertado por uma
vizinha e colega de trabalho através do recurso de um barbante amarrado
no dedão do pé, acionado diariamente pela janela…Ela residia no andar de
baixo e ele no de cima. Sem dúvida, um belo exemplo de T.A.!
Os produtos e recursos de T.A. apresentados na tabela adiante não
resolvem em plenitude, porém, a mais importante consequência da surdez: a
dificuldade da aquisição da língua oral. Normalmente pessoas com o
que se chama de surdez pré-lingual têm enormes dificuldades em adquirir a
língua oral de maneira natural, enquanto pessoas com deficiência
auditiva severa pós-lingual poderão manter seus níveis de fala e
compreensão da língua falada inalterados, desde que haja a ajuda de
algum recurso de T.A.
Para muitos surdos pré-linguais, mesmo com a utilização de recursos
de T.A., a aquisição da língua oral de sua comunidade será praticamente
impossível dentro dos padrões considerados ideais para tal. Não estamos
aqui falando sobre a capacidade de emissão vocal e sim sobre a
aquisição contextual da língua. Podemos dizer que a aquisição da língua
oral para os surdos profundos pré-linguais se dará quase sempre no nível
de uma língua estrangeira. Alguns poucos conseguirão ser “bilíngues
50%”, mas a maioria, certamente, não atinge esse nível de proficiência.
Atualmente, sabemos que a língua não funciona apenas como recurso de
comunicação, mas como estruturadora do pensamento individual e social e
sabendo que as línguas de sinais são portadoras de estrutura e
especificidades similares aos das línguas orais (desde os trabalhos
realizados a partir de 1957 por William C. Stokoe sobre a ASL/American
Sign Language e com a publicação em 1960 de Language Structure: An outline of the Visual Communication Systems of the American Deaf ),
podemos partir para uma visão, digamos assim, “cultural” da surdez e,
em consequência, da utilização das línguas de sinais enquanto recursos,
produtos, práticas, serviços e metodologia para tornar a vida de pessoas
com surdez mais funcional. E ainda atender à necessidade de comunicação
entre surdos e ouvintes de maneira mais efetiva.
É importante que deixemos bastante claro nesse ponto que as Línguas
de Sinais são e foram desde sempre manifestação cultural das comunidades
surdas espalhadas pelo mundo e não produto criado para qualquer tipo de
auxílio comunicacional, o que não impede, entretanto, sua utilização
pontual com essa finalidade.
Defendemos a utilização da Libras enquanto ferramenta de T.A. para surdos (e ouvintes),
como pode ser observado na Tabela adiante, sem, porém, eliminar
nenhuma proposta de utilização dos recursos tecnológicos para correção
da perda auditiva ou a reabilitação das funções auditivas dos surdos.
Pelo contrário, acreditamos que a utilização da tecnologia vem tornando
a vida dos surdos cada dia mais fácil.
Mas não podemos jamais esquecer que os surdos, além de pessoas com
deficiência, são também pessoas com língua (e cultura) própria e que o
respeito a essa característica deve estar intrínseca a qualquer proposta
de trabalho realizada, incluindo-se toda iniciativa de produção de
T.A..
A proposta que apresentamos objetiva contribuir para construção de
uma sociedade verdadeiramente humana, acessível para todos os que dela
compartilham, respeitando as características de cada pessoa ou grupo de
pessoas e propiciando que todos possam expor suas necessidades
específicas e proponham soluções conjuntas.
TABELA DE TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA SURDOS
ANEXO
Resoluções do XV Congresso Mundial da Federação Mundial de Pessoas Surdas (com tradução para o Português de Portugal)
(16-22 Julho de 2007, Madrid )
Reafirmamos que as pessoas surdas têm os mesmos direitos humanos que o
resto dos grupos sociais e que a diversidade é um fator intrínseco da
Comunidade Surda.
Reconhecemos a importância da infância e da juventude surda, as
pessoas surdocegas, as pessoas surdas com outras deficiências, as
pessoas surdas imigrantes; indígenas; lésbicas, gays, transexuais e
bissexuais: pessoas surdas de zonas rurais minorias religiosas;
cidadãos/as maiores, e todas as pessoas surdas desta sociedade, todas
elas com os mesmos direitos e obrigações que qualquer outro cidadão/a.
Enfatizamos que mediante ações positivas se pode conseguir a igualdade entre todos com maior celeridade.
Enfatizamos que a língua gestual é um direito humano para todos os
membros da Comunidade Surda, incluindo aqueles que usam ajudas técnicas e
implantes.
Reafirmamos que a educação multilíngue em língua gestual oferece às
pessoas surdas e com deficiências auditivas a maior oportunidade de
alcançar a cidadania e o desfrute completo de todos os direitos humanos.
A WFD e os seus membros acordaram:
• Trabalhar unidos para promover a ratificação e implementação
governamental da Convenção Internacional dos Direitos Humanos das
Pessoas com incapacidade, assegurando, deste modo, o desfrute por parte
das pessoas surdas todos os direitos humanos em condições de igualdade e
respeito ao resto dos cidadãos.
• Trabalhar conjuntamente como um coletivo em que os países
desenvolvidos colaborem estritamente com os países em vias de
desenvolvimento.
• Adotar medidas para educar e sensibilizar a comunidade surda sobre a ampla variedade de pessoas e culturas que a compõem.
• Ter a obrigação de promover programas e políticas de igualdade que
assegurem o pleno desenvolvimento da mulher; assim como adotar medidas
que combatam a violência e o abuso feito às mulheres surdas.
• Ter a responsabilidade de preservar, promover e proteger as línguas
gestuais, as heranças culturais: assim como, formular políticas
linguísticas de implementação da língua gestual, incluindo também as
línguas gestuais indígenas.
• Cooperar estritamente com escolas e autoridades educativas para
promover o direito dos meninos/as surdos/as a receber uma educação
multilíngue e multicultural, e implementar programas educativos que
desenvolvam identidades para eles/as, suas famílias e os meninos/as
“CODA”
• Proteger os direitos dos meninos/as com implantes cocleares e
outras tecnologias sensoriais promovendo a educação em língua gestual.
• Implementar o emprego dos profissionais surdos/as em todos os âmbitos que tenham um impacto na vida das pessoas surdas.
• Promover o desenvolvimento de programas educativos e de qualificações apropriadas para os intérpretes de línguas gestuais, seguindo os princípios da WFD de cooperação com os/as intérpretes.
• Promover o desenvolvimento de programas educativos e de qualificações apropriadas para os intérpretes de línguas gestuais, seguindo os princípios da WFD de cooperação com os/as intérpretes.
• Incorporar os princípios de desenho universal nos novos produtos e serviços relacionados com as inovações tecnológicas.
• Formular uma declaração de prioridades e preocupações ao âmbito da
bioética relacionada com as pessoas surdas, assim como, a qualidade
médica e os aspectos cirúrgicos baseados nos princípios dos direitos
humanos.
• Estabelecer programas de liderança positiva e pautas para jovens
surdos, assim como, potenciar sua participação ativa na tomada e criação
de decisões e sua posterior implementação.
• Promover o emprego e a autonomia através do poder econômico das pessoas surdas.
• Promover o acesso igualitário aos serviços de saúde mental para as pessoas surdas.
Os programas e ações desenvolvidas pela WFD e seus membros ordinários
devem ter em conta todas as pessoas surdas. Além disto deves se prestar
uma especial atenção à educação tanto dos países desenvolvidos como dos
países em vias de desenvolvimento para eliminar deste modo qualquer
desvantagem em consequência do gênero: desemprego, pobreza, condições
sanitárias deficientes e a falta de autodeterminação.
A educação para as pessoas surdas, especialmente nos países em vias
de desenvolvimento, devem ser iniciativa das próprias pessoas surdas do
país para conseguir deste modo incluir e implementar sua língua/s
gestual e sua própria cultura.
Os direitos linguísticos e culturais das pessoas surdas imigrantes
têm de ser respeitados, do mesmo modo, às das pessoas do povo na
aprendizagem da cultura e da língua do seu novo país.
Os intérpretes de língua gestual são um recurso fundamental no que se
refere à implementação dos direitos humanos e seu pleno acesso. O termo
intérprete de língua gestual é um conceito que inclui não só os
profissionais ouvintes como também os profissionais surdos e os guias
intérpretes de pessoas surdocegas.
A tecnologia e a formação on-line oferecem acesso à informação e são
essenciais para uma aprendizagem regada e estruturada, além disso,
promovem a independência. Os princípios de desenho universal devem
assegurar o pleno acesso comunicativo e o cumprimento dos direitos
humanos das pessoas surdas.
O acesso a uns serviços da saúde mental igualitários e apropriados,
através da língua gestual, da cultura das pessoas surdas e de
profissionais surdos é um direito humano para as pessoas surdas.
Em referência ao crescimento demográfico e consequentemente ao
envelhecimento da população que se hão de ter em conta programas e
serviços para os cidadãos surdos de idade avançada.
As línguas gestuais são instrumentos essenciais para transmitir cultura e conhecimento.
Ao estatuto e ao reconhecimento das línguas gestuais no mundo devem
ser reforçados mediante políticas linguísticas, investigação e o ensino
em língua gestual. As línguas gestuais deverão formar parte do currículo
educativo de cada país.
A Federação Mundial de Pessoas Surdas (WFD) seus membros e os
participantes do XV Congresso Mundial de Pessoas Surdas, acordam
promover e aplicar as resoluções deste congresso através de todos os
governos e autoridades exigindo os respeito para o cumprimento DOS
DIREITOS HUMANOS ATRAVÉS DAS LÍNGUAS GESTUAIS.
FONTE: http://editora-arara-azul.com.br/
* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.
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