A engenheira civil Marta Toyota, de 44 anos, conviveu por muito tempo com as limitações impostas pela Doença de Ménière. Desde criança, enquanto seus amiguinhos se divertiam nos parques de diversão, a Roda-Gigante e o Carrossel sempre foram uma pedra em seu sapato. “Meus pais acreditavam que era algo normal, uma criança sentir enjôo nesses brinquedos”, disse.
O tempo passou e na adolescência essas limitações ficaram mais claras. Mesmo assim, o diagnóstico da doença só surgiu muito tempo depois. Na faculdade, Marta perdia aulas, passava mal durante as provas e resolveu parar de dirigir. “As pessoas achavam que a tontura que eu sentia era ‘frescura’”, lembra. A engenheira tentou vários tratamentos para “labirintite” na época, mas nunca chegavam a um resultado satisfatório. “Depois do casamento, meu marido tinha de deixar o serviço várias vezes para me levar ao hospital. Muitas vezes ficava deitada o dia inteiro. Não conseguia me levantar.”
O caso de Marta é comum hoje em dia nos consultórios de Otorrinolaringologia. A Doença de Ménière, uma das grandes síndromes vertiginosas, descrita desde o século XIX, vem sendo cada vez mais estudada, juntamente com outras síndromes labirínticas, nos cursos de Medicina e aprofundada nas residências médicas. Os tratamentos das vertigens também já alcançam números positivos. “Conseguimos melhorar a qualidade de vida destes pacientes com um índice de controle parcial ou cura em 90% dos casos”, disse o otorrinolaringologista Fernando Ganança, professor da Unifesp e especialista em labirintopatias.
Isso se deve principalmente aos métodos de diagnósticos mais modernos e a entrada no Brasil de novos medicamentos, bastante potentes. Entre os medicamentos, destacam-se a betahistina, um remédio que já existe há algum tempo na Europa e que traz resultados animadores. “O clonazepan, usado em baixas doses também representa resultados excelentes”, afirma Ganança.
Apesar dos novos medicamentos, o tratamento da doença prevê um trabalho árduo de investigação por parte do otorrinolaringologista. O melhor é começar por descobrir a causa da doença. “A hipertensão endolinfática, o substrato patológico da Doença de Ménière, pode ser idiopático, em cerca de 50% dos casos. Mas podemos identificar, em outros pacientes, algumas causas relacionadas a vertigens periféricas, como a metabólica, hormonal, vascular, infecciosa ou traumática”, comenta o especialista.
Estudos se concentram na qualidade de vida do paciente
Se o médico conseguir encontrar a causa da vertigem ou da tontura, será um passo avançado para se chegar ao controle ou à cura. Por isso, Fernando Ganança acha importante que o otorrino pergunte bastante ao seu paciente, investigue seus hábitos, os antecedentes pessoais e familiares e a história clínica. Tudo isso pode estar relacionado à uma determinada doença.
“Mesmo para aqueles que não se curaram completamente, mas que estavam incapacitados para desempenhar algumas funções por causa da tontura, com o tratamento, eles conseguem voltar a realizar essas atividades”, enfatiza.
O professor da Unifesp orientou recentemente um trabalho onde se investiga o impacto da doença na qualidade de vida dos pacientes, intitulado “Interferência da Tontura na Qualidade de Vida de Pacientes com Doença de Ménière"". Neste estudo, que será publicado em uma revista internacional, foram investigados os aspectos físicos, funcionais e emocionais do paciente e qual a interferência da tontura na vida dele. “Descobrimos que o paciente com Doença de Ménière tem um prejuízo na qualidade de vida independentemente de todas as variáveis clínicas e sócio-demográficas estudadas. A doença pode chegar a ser incapacitante, determinando grandes prejuízos para a qualidade de vida”, observou Ganança.
Nas últimas décadas, o estudo da qualidade de vida tem despertado um maior interesse por parte dos pesquisadores ligados à saúde. De acordo com o estudo, de 1990 a 1994, mais de 5 mil artigos foram publicados com o termo Qualidade de Vida, no título ou no resumo. Neste sentido, a aplicação para a Otorrinolaringologia é muito importante, porque muitas funções imprescindíveis como respiração, audição, paladar, olfato, fala e equilíbrio corporal, podem alterar a qualidade de vida do paciente.
Segundo Ganança, o paciente com Doença do Ménière (uma dentre várias síndromes vertiginosas) vive em meio à insegurança e medo. “Ele não sabe quando a crise vai chegar”.
A engenheira Marta tinha muito medo de ficar sozinha em casa, pois não sabia quando necessitaria de socorro. “Fiquei completamente dependente, sem ter vontade de sair de casa”. Ela contou que numa tarde, andando pelas ruas do bairro de Santana, zona norte de São Paulo, caiu na calçada, por causa de uma crise. Ninguém a socorreu. “Só ouvia vozes dizendo: Nossa, tão jovem e já drogada”.
Durante o tratamento é necessário retirar do paciente esta insegurança. “No tratamento, não se inclui apenas medicamentos. Hoje trabalhamos com dieta com correções alimentares, por exemplo. É muito comum o paciente ter hábitos alimentares errados, como comer açúcar refinado em excesso, ficar muito tempo em jejum. Isso pode prejudicar o funcionamento do labirinto e do sistema vestibular como um todo” comenta Ganança.
O otorrinolaringologista lembra de um paciente que era piloto de helicóptero e sofria com a Doença de Ménière. “É uma doença que pode causar restrição de atividades por parte do paciente”.
É importante deixar claro que nem todos os sintomas clássicos da enfermidade ocorrem em todos os pacientes. Há casos mais graves e outros mais leves. Apesar disso, a pesquisa apontou que mesmo em menor grau a doença traz prejuízos à vida do paciente.
Cirurgia
No caso dos pacientes que não conseguem uma melhora com tratamento e medicamentos, a cirurgia é uma opção importante. No entanto, segundo o médico, apenas 1 % dos casos tem indicação de cirurgia. Entre as cirurgias mais freqüentes estão a Descompressão do Saco Endolinfático, que alivia a pressão de uma determinada área do labirinto, responsável pela absorção do líquido endolinfático. Também é utilizada a Labirintectomia Química, quando se destrói o labirinto por meio de substâncias ototóxicas, aplicadas através do tímpano. O medicamento chega até o ouvido interno e destrói a área relacionada ao equilíbrio corporal comprometida. Já a Neurectomia é realizada com a secção do nervo vestibular que emerge do labirinto. Em ambos os casos, a intervenção é feita quando já não há audição socialmente útil, que nestes casos de Doença de Meniére, também fica prejudicada.
“Só fazemos cirurgia se o paciente não melhorar com o tratamento clínico, situação em que a incapacitação física, funcional e emocional está atrapalhando demais sua vida. A escolha do tipo de cirurgia depende também de alguns fatores. Se ele tem a audição preservada, por exemplo. Não vamos destruir o labirinto se a audição não está sendo prejudicada. Também a respeito da idade, se ele tem ou não condições de ser operado. É sempre importante notar também quais os medicamentos que ele já tomou e esgotar todas as possibilidades de melhora com tratamento clínico”.
Doença urbana?
No caso da tontura decorrente da Doença de Meniérè, a dificuldade no diagnóstico dos fatores predisponentes à instalação da doença, é devido à instalação lenta que se dá no paciente, segundo o otorrinolaringologista Pedro Luiz Mangabeira Albernaz, atual membro do corpo clínico do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e professor aposentado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele não acredita que exista uma relação direta entre a doença e o estresse. “A não ser que a pessoa que está estressada tenha crises mais violentas”, disse. No entanto, Albernaz afirma que é raro o surgimento da Doença de Ménière em pacientes que vivem na zona rural. “Parece ser uma doença de cidade grande”.
Psiquiatras já tentaram comprovar se a doença não era psicossomática, mas os estudos mostraram que não há características suficientes para defini-la dessa forma. “Mas, no entanto, existem algumas características peculiares nas pessoas que tem a doença”, diz Albernaz. “Geralmente são pessoas perfeccionistas, que gostam de tudo certinho. Dificilmente delegam tarefas e, por isso, estão sempre sobrecarregadas de trabalho”.
Uma das saídas no tratamento, de acordo com Albernaz, é a necessidade de fazer com que o paciente entenda a importância de aproveitar as horas de lazer. “Ele precisa ter um tempo para sair, ir ao cinema, passear. Temos de tentar tirá-lo da absorção compulsiva do trabalho”.
Os estudos ainda não comprovaram se essa característica já vinha antes com a pessoa ou se foi desenvolvendo de acordo com a doença. “Provavelmente existem algumas mudanças metabólicas que levam a essas características. Mas ainda é difícil saber a relação entre essas coisas”.
Os estudos na área de Doença de Ménière ainda não respondem a muitas perguntas. Alguns casos, por exemplo, podem ser de origem virótica. “A informação vem do exame de ossos temporais de pessoas que sofriam da doença e que doaram seus ossos para estudo, em testamento. Ainda não temos exames de laboratório para descobrir isso”
FONTE: http://www.saudeauditiva.org.br/
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