sábado, 18 de junho de 2011

ZUMBIDO, VERTIGENS E DESORDENS TEMPOROMANDIBULARES

 

Manifestações otológicas de zumbidos e vertigens, como conseqüências de desordens temporomandibulares têm sido um assunto de grande pesquisa e controvérsia na literatura. Algumas explicações de base anatômica e fisiológica tentam elucidar estas correlações, porém muitas são refutadas e desconsideradas. Apesar da polêmica e das diversas teorias sobre o assunto, os autores deste artigo realizaram uma revisão da literatura sobre as possíveis explicações para as sintomatologias de zumbido e vertigens, muitas vezes relatadas pelos pacientes que apresentam desordens temporomandibulares.

As desordens temporomandibulares (DTM) não constituem uma única doença, mas sim um conjunto de sinais e sintomas tais como dor, sons nas articulações temporomandibulares (ATM) e movimentos mandibulares restritos. A prevalência de DTM difere de estudo para estudo, provavelmente devido à falhas metodológicas e falta de definições padronizadas. Dados epidemiológicos mostram que aproximadamente 40 a 75% da população têm pelo menos um sinal de DTM; deste total, 33% dos pacientes apresentam um sintoma de DTM. Os sintomas estão presentes em pelo menos 5% da população adulta, sendo que somente 5 a 7% dos pacientes sintomáticos procuram por tratamento.

Nos últimos anos, manifestações otológicas de pacientes que apresentam DTM têm sido alvo de inúmeras pesquisas. Sintomas como zumbidos (tinnitus), vertigens, tonturas, otalgias, cefaléias, sensação de plenitude auricular e de perdas auditivas foram descritos como possíveis manifestações destas desordens. Embora as verdadeiras explicações para a relação entre sintomas auditivos e DTM ainda permaneçam obscuras, um conhecimento adequado da anatomia e fisiologia da região do ouvido e das articulações temporomandibulares parece ser de fundamental importância para o entendimento dos processos patológicos que acometem estas regiões.

O zumbido é um tipo de sintoma relacionado a várias patologias otoneurológicas. A sensação deste sintoma pode ser muito variada. Pode passar de um simples ruído que não trás incômodos nos momentos de repouso, até sons intensos que passam a impedir as atividades sociais do indivíduo. Aproximadamente 50% dos casos de zumbido são de origem desconhecida, podendo afetar igualmente homens e mulheres. Na população em geral, este sintoma predomina a partir dos 50 anos de vida.

A prevalência de zumbidos na população mundial chega a valores próximos a 15%. Outros trabalhos mostram uma prevalência variando de 14 a 32%, com ocorrência em todas as idades e com significante aumento do sintoma, de acordo com o aumento da idade. Uma pesquisa do Instituto Nacional de Saúde dos EUA indicou que aproximadamente 4% da população deste país sofrem de uma forma severa de zumbido. Tal sintoma é geralmente um achado coincidente com desordens temporomandibulares, sendo relatado por 33% dos pacientes portadores de tais desordens. PASCOAL et al., por sua vez, examinaram pacientes com suspeitas de DTM e relataram que 46,8% destes queixavam-se de sensação de zumbido. PARKER & CHOLE pesquisaram a presença de sintomas otológicos como zumbido e vertigem em pacientes com DTM. Em relação ao zumbido, houve uma diferença estatisticamente significante maior no grupo com DTM (59%) que nos dois grupos controles utilizados (13,8% no grupo 1 e 32,5% no grupo 2). O zumbido relatado por pacientes com DTM, na maioria das vezes, caracteriza-se como agudo, contínuo, de aparecimento esporádico, curta duração, intensidade moderada e não interfere nas atividades diárias dos pacientes.

Estudos apontam uma maior freqüência de sintomas otológicos devido a DTM no sexo feminino (provavelmente devido à maior prevalência de DTM ser no sexo feminino). Aproximadamente 34% dos pacientes que possuem DTM conseguem exercer algum controle na intensidade do zumbido através de movimentos mandibulares. Porem, a ocorrência deste sintoma em pacientes com DTM não implica, necessariamente, numa relação de causa e efeito entre ambas.

O músculo tensor do tímpano, o tensor do véu palatino e os músculos da mastigação possuem inervação vinda do trigêmeo. Espasmos ou hiperatividade dos músculos da mastigação poderiam afetar o músculo tensor do tímpano, gerando um aumento na pressão intralabiríntica (isso seria transmitido através da cadeia ossicular). Em uma má oclusão, muitas vezes encontramos uma postura anormal da mandíbula. Sendo assim, movimentos mandibulares inicialmente alterados, geralmente terminam em posturas também alteradas. Isso, por sua vez, gera estímulos aferentes proprioceptivos que criam, através de ação reflexa, um tônus muscular aumentado. Temos, então, um estímulo aferente adicional (exteroceptivo) dentro da distribuição do quinto nervo craniano. Como o músculo tensor do tímpano compartilha mudanças similares de tônus com os músculos da mastigação (hiperatividade do tensor do tímpano ocorre juntamente com o aumento de atividade dos músculos mastigatórios), vibração, e clono do mesmo poderia, levar à ocorrência de sintomas como zumbidos, vertigens e alterações auditivas. Isso explicaria, então, porque portadores de DTM que apresentam zumbido afirmam que hábitos parafuncionais (como apertamento dental), situações de stress, movimentos mandibulares e atos de bocejo e deglutição alteram a intensidade do zumbido. O uso de dispositivos interoclusais com o objetivo de promover um relaxamento muscular levaria a uma diminuição dos sintomas. Entretanto, certos tipos de zumbidos relatados por alguns pacientes com DTM possuem altíssimas freqüências que seriam praticamente impossíveis de serem causadas por ação muscular.

COSTEN levantou a hipótese de que sintomas aurais poderiam ocorrer devido a uma má posição mandibular que poderia levar a um mau funcionamento da tuba auditiva. Isso, por sua vez provocaria sintomas de dor auricular, sensação de zumbido e vertigens. Vale lembrar mais uma vez que o músculo tensor do véu palatino e os músculos da mastigação possuem a mesma inervação (trigêmeo). Dessa maneira, alterações da musculatura mastigatória devido a uma DTM poderiam levar a alterações do tensor do véu palatino, prejudicando o funcionamento normal da tuba auditiva. PARKER & CHOLE , entretanto, afirmaram que DTM não poderia afetar a função tubária.

PINTO descreveu uma estrutura fibroelástica, de qualidade ligamentosa, que se encontrava inserida no pescoço do martelo (lateralmente ao nervo corda do tímpano). Este ligamento (ligamento anterior do martelo) dirige-se anteriormente e inferiormente, passa pela fissura petrotimpânica e insere-se na porção medioposterosuperior da cápsula e disco articular, e/ou no ligamento esfenomandibular. O ligamento de Pinto (ligamento discomaleolar) teria a mesma origem embriológica do martelo e da bigorna. ALKOFIDE et al., realizaram um estudo com 82 peças anatômicas e constataram que o ligamento esfenomandibular encontrava-se próximo ao martelo em 67,6% de sua amostra. O ligamento anterior do martelo estava presente na fissura petrotimpânica em 64% dos casos e em 58,3% continuava através da fissura, no ligamento esfenomandibular. O ligamento anterior do martelo foi encontrado neste ossículo em todas as amostras, bem como o ligamento esfenomandibular foi encontrado na fissura petrotimpânica em todas as amostras.

Alguns autores descrevem esta estrutura, relacionando-a como possível causa de sintomas auditivos. Desordens temporomandibulares podem causar alterações nas estruturas ligamentares, incluindo o ligamento de Pinto (discomaleolar), que poderiam tracionar o colo do martelo e causar sintomas como zumbidos e hipoacusia (principalmente se este ligamento não estivesse firmemente aderido às paredes da fissura petrotimpânica). Entretanto, PARKER & CHOLE acreditam que apesar de poder transmitir energia mecânica para o martelo, o ligamento de Pinto não conseguiria ser a causa de vertigens e zumbidos de grandes proporções, muitas vezes relatados por pacientes com DTM. Em pessoas vivas o ligamento discomaleolar estaria firmemente aderido às paredes da fissura petrotimpânica e não teria força suficiente para tracionar os ossículos da orelha média e causar sintomas auditivos.

A tontura pode ser descrita como qualquer manifestação de desequilíbrio corporal como sensação de flutuação, oscilação, ascensão e ântero ou retropulsão. A vertigem, por sua vez, caracteriza-se pela sensação de rotação (tontura de caráter rotatório), seja do indivíduo ou do meio que o circunda. O sinal mais objetivo desta alteração é o nistagmo, ou seja, uma oscilação espasmódica e involuntária do globo ocular.

Numa amostra de pacientes portadores de DTM, PASCOAL et al. relataram que a sensação de tontura foi constatada em 33,3% dos casos. As sensações de vertigem representaram 8,7%. Resultados semelhantes foram descritos por D’ANTÔNIO et al. em que 31,1% dos pacientes com DTM apresentavam tonturas e 12,2% sensações de vertigem. Segundo PARKER & CHOLE a vertigem foi significantemente mais comum em pacientes que apresentavam DTM (70%) do que nos grupos controles de sua pesquisa (30,01% e 44%).
O equilíbrio corporal está diretamente relacionado com a participação e integração de informações advindas do sistema vestibular (localizado no ouvido médio), sistema visual e da propriocepção corporal. A este conjunto de informações temos a participação do cerebelo. A vertigem como sintoma de DTM pode ser justificada também pela alteração de contractilidade dos músculos antigravitários (masseter e esternocleidomastóideo), relacionados com a postura da cabeça e da mandíbula. Informações discordantes entre a propriocepção destes músculos, visão e sistema labiríntico, são enviadas ao cerebelo, sistema nervoso central e formação reticular (tronco encefálico) que as confundem e geram sensações vertiginosas. Vale lembrar que os sistemas vestibulares e visuais estão localizados na cabeça e que o labirinto é sensível a alterações de postura. Existe, então, uma relação funcional entre os músculos mastigatórios e o sistema motor cervical. Observa-se que há uma co-ativação do músculo esternocleidomastóideo durante o máximo apertamento dental.

Outra possível causa de vertigens seria a deficiência de suprimento sanguíneo das orelhas média e interna, como resultado de um reflexo simpatomimético vasoconstritor. A deficiência de um suprimento vascular na musculatura mastigatória poderia comprometer a irrigação do ouvido, uma vez que a vascularização do mesmo é realizada basicamente por ramos das artérias temporais superficiais e ramo auricular profundo da artéria maxilar que nutrem os músculos mastigatórios.
BROWN & WALKER descreveram uma síndrome na qual as queixas apresentadas pelos pacientes eram bastante desproporcionais com a severidade dos achados físicos e clínicos. Os pacientes portadores deste tipo de síndrome poderiam ter uma exacerbação de seus sintomas devido a uma influência de ordem emocional. Esta síndrome ficou conhecida como: Excessive Somatic Concern (ESC). Hipotetiza-se que pacientes com DTM e portadores da síndrome ESC poderiam relatar sintomas auditivos exacerbados.

A partir da literatura consultada podemos concluir que:
• O conhecimento profundo da anatomia e fisiologia da região da ATM e do ouvido é de fundamental importância para o entendimento de patologias que acometem estas regiões;
• DTM podem ser a causa de sintomas auditivos como zumbidos (tinnitus) e vertigens;
• Os mecanismos pelos quais as DTM provocam sintomas auditivos ainda permanecem obscuros;
• Pacientes que apresentam DTM devem ser avaliados por uma equipe multidisciplinar composta por médicos otorrinolaringologistas, dentistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e psicólogos;
• Um diagnóstico preciso é de fundamental importância para que seja estabelecido um tratamento correto para a resolução da alteração do paciente; seja ela psicológica, otorrinolaringológica, odontológica, fonoaudiológica ou postural;
• É de grande importância que os profissionais que atuam em DTM tenham um bom conhecimento dos sinais e sintomas que seus pacientes possam apresentar, para que estes sejam encaminhados corretamente para membros competentes dentro de uma equipe multidisciplinar;
• São necessários mais estudos e pesquisas com metodologias mais adequadas e padronizadas, que possam contribuir com as questões expostas neste trabalho.

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AUTORES:

Paulo I. Seraidarian – Mestre e Doutor em Odontologia Restauradora – área de concentração Prótese Buco-Maxilo-Facial, coordenador do curso de Mestrado em Prótese Dentária da PUC-MG, professor responsável pela Disciplina de Oclusão e ATM da Universidade Ibirapuera-Unib, professor assistente do Departamento de Prótese Dental da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos-UNESP.

Camilo A. Melgaço - Cirurgião-Dentista graduado pela Faculdade de Odontologia da UFMG, aluno da graduação do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina e Fonoaudiologia da UFMG, aluno do curso de Mestrado em Odontologia-Ortodontia pela Faculdade de Odontologia da UFRJ, professor do curso de Formação de Auxiliares de Consultório Dentário (ACD) da Faculdade de Odontologia da UFMG.

Sônia R. Dutra – Cirurgiã-Dentista graduada pela Faculdade de Odontologia da UFMG, aluna do curso de Residência em Oclusão da PUC-MG, professora do curso de Formação de Auxiliares de Consultório Dentário (ACD) da Faculdade de Odontologia da UFMG.



 

* O TEXTO ENCONTRA-SE EM SEU FORMATO ORIGINAL. ERROS GRAMATICAIS E DISTORÇÕES SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR.

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